quinta-feira, 28/03/2024
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Foi Assim…Tiziu – Apelido “Carinhoso”

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           Pode não parecer, mas, para os proprietários de uma empresa de autopeças do interior de Mato Grosso, chamar um empregado negro pelo nome de um personagem humorístico do Nordeste, conhecido por cometer crimes e outras falcatruas, era uma forma carinhosa de tratá-lo. O caso ocorreu no município de Nova Mutum, uma das cidades localizadas ao longo da rodovia BR-163, região de forte expansão agrícola.

                Benedito era um jovem negro ainda menor de idade quando foi contratado na empresa em 2015. No período de oito meses em que permaneceu empregado como aprendiz, recebeu diversas alcunhas, todas relacionadas à cor de sua pele. Entre os nomes estava “Cirilo”, famoso personagem da novela infantil Carrossel, e “Tizil”, boneco negro do quadro humorístico da emissora TV Diário, do Ceará.

             Segundo a empresa, essas não eram uma forma pejorativa de chamá-lo, tampouco faziam referência ao fato de ele ser negro, mas simplesmente à semelhança física principalmente com o personagem Cirilo. Na verdade, defendeu-se, colocar apelidos era algo totalmente comum entre os empregados e fazia parte das brincadeiras diárias que surgiram no ambiente de trabalho. Sem contar que o jovem nunca se mostrou irritado ou ofendido com os títulos que recebeu.

Porém, os tratamentos “carinhosos” iam além, como contou uma das testemunhas, e extrapolavam o âmbito interno, sendo repetidos inclusive na frente dos clientes. Certa vez, disse ela, ouviu seu patrão chamá-lo de “preto desgraçado” e, noutra ocasião, de “nego do cabelo ruim”. Em mais um episódio, quando estavam reunidos internamente, escutou seu superior falar que precisavam encontrar a princesa Isabel e amarrá-la, pois havia “soltado um preto”.

Depois de 130 anos da libertação de seus antepassados da escravidão por um ato da princesa imperial brasileira, certamente o jovem aprendiz se sentia aprisionado em sua alma, tanto que não ousou reclamar dos apelidos que recebia. Fora isso, teve o desprazer de aprender que na sociedade ainda permanecem pensamentos como os de seus antigos patrões, que acreditavam que palavras racistas eram formas carinhosas de tratamento.

Ao proferir sua decisão, a juíza lembrou que a discriminação racial é algo tão rechaçada pelas leis brasileiras, que é um crime inafiançável e nunca prescreve: “É uma chaga social arraigada à ignorância do homem branco”.

Além de condenar a loja de autopeças a pagar uma indenização pelas ofensas causadas ao ex-empregado, a magistrada informou o Ministério Público Estadual do ocorrido para adoção das medidas criminais cabíveis.

Se Benedito não pôde ter no trabalho a dignificação esperada, pelo menos soube que na justiça trabalhista conseguiria fazer valer seus direitos e, mais do que isso, ajudar a descontruir uma cultura ainda bastante enraizada na cultura brasileira.

         O texto publicado nesta sexta-feira (23) é uma referência ao Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, celebrado em 21 de março. A crônica faz parte do livro Foi Assim….Vidas, olhares e personagens por trás dos processos trabalhistas em Mato Grosso, publicado em comemoração aos 25 anos de criação do TRT/MT.

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