
           A hidrelétrica de Teles Pires deve começar a gerar energia com árvores apodrecendo dentro do seu reservatório, construÃdo na divisa entre o Mato Grosso e o Pará, na floresta Amazônica. Boiando sobre o lago criado pela usina, o entulho pode ser visto de longe.
         São galhos, lenhas e toras de madeira, entre elas castanheiras e árvores de mogno. O apodrecimento dessa vegetação deve levar à morte de peixes e ao aumento da emissão do gás metano, pelo menos vinte vezes mais nocivo ao efeito estufa do que o gás carbônico. Impacto desastroso para um empreendimento que se apresenta como “fonte [de energia] limpa, renovável e ambientalmente correta.†Madeira desmatada antes do alagamento não foi removida corretamente e ficou dentro do lago da usina.
Floresta em pé também foi alagada Foto: Ibama As fotos publicadas nesta reportagem revelam que a usina não cumpriu uma regra obrigatória para o seu funcionamento: a retirada das árvores da área a ser alagada conforme previsto no seu Plano de Desmatamento.
Além da geração de metano, outra consequência é o desperdÃcio de madeira. Oito pátios com toras foram alagados pelo reservatório da usina, e a madeira que deveria ter sido vendida ou utilizada na obra acabou apodrecendo no rio.
A companhia também manteve árvores onde deveria ter desmatado totalmente, como as margens do rio ParanaÃta. Além disso, a usina não retirou a vegetação necessária nas ilhas e na beira do rio Teles Pires.

 O responsável direto pela barbeiragem ambiental é a Companhia Hidrelétrica Teles Pires, consórcio formado pelas empresas Neoenergia (50,1%), Eletrobras Furnas (24,5%), Eletrobras Eletrosul (24,5%) e Odebrecht (0,9%). A usina faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal. Como órgão fiscalizador, o Ibama deveria ter detectado o problema, mas os técnicos chegaram tarde.
O Ibama só constatou que o plano não tinha sido cumprido em fevereiro de 2015, quase três meses após autorizar o funcionamento da hidrelétrica em novembro de 2014. Segundo relatório assinado por técnicos do órgão, “as atividades de limpeza da bacia de acumulação foram realizadas de forma pouco criteriosa e até mesmo negligente.†Antes da fiscalização do Ibama, os erros da usina já haviam sido diagnosticados pelo Instituto Centro de Vida, organização que monitora os impactos de Teles Pires.
O instituto revelou que a usina não havia retirado nem metade da vegetação do local em outubro do ano passado, há menos de um mês dela receber a autorização para encher o reservatório. Desta forma, 6,2 mil hectares devem ter sido alagados com vegetação – mais de mil hectares acima do que deveria ter sido retirado pela empresa, segundo o seu Plano de Desmatamento. (Clique aqui para baixar o mapa elaborado pelo ICV). Floresta dentro do lago de Teles Pires
Questionada pela Repórter Brasil, a assessoria de imprensa da Companhia Hidrelétrica Teles Pires respondeu que está tomando as “providências adicionais necessárias ou requisitadas pelos órgãos ambientais, incluindo a limpeza do reservatório.†(Leia a Ãntegra das respostas da usina). Questionado sobre a demora na fiscalização, o Ibama afirmou que elas foram feitas dentro do tempo “usualâ€. (Leia a Ãntegra da reposta do Ibama)

Madeira jogada fora Os erros cometidos pelo consórcio não afetarão só a vida no rio e o aquecimento global, mas também a floresta Amazônica e a economia da região. Isso porque a madeira que boia sobre o lago deveria ter sido explorada por serrarias certificadas e vendida legalmente, diminuindo a demanda pela derrubada de mais árvores.
Com o desperdÃcio, a madeira necessária na região, inclusive nas obras da usina, terá que sair de outro lugar. Região de expansão da soja, o norte do Mato Grosso está entre os locais com mais desmatamento no paÃs.
O municÃpio onde fica a maior parte do lago, ParanaÃta (MT), está na chamada “lista negra†do Ministério do Meio Ambiente, o ranking das cidades que mais desmatam. Por isso, a população da cidade sofre restrições de acesso a algumas polÃticas públicas, como o crédito a produtores rurais. Desmatamento é alto na região

Em e-mail à reportagem, o consórcio de Teles Pires alega ainda que “realocou e removeu†as toras de valor comercial que estavam nos pátios alagados. Questionada, a empresa não respondeu as perguntas sobre como esta madeira foi comercializada.
Projeto tinha problemas Mesmo que seguido à risca, o Plano de Desmatamento da usina não teria sido suficiente para conter os impactos ao meio ambiente. Este plano , que é elaborado pelo consórcio e aprovado pelo Ibama, estabeleceu que apenas 58% da vegetação deveria ser retirada dos 10,7 mil hectares alagados.
Segundo especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, o percentual contrasta com o plano de outras hidrelétricas licenciadas recentemente que fixam como meta a retirada total da vegetação. “Não há rigor cientÃfico nos 58%. O Ibama discutiu diferentes cenários com o empreendedor, e chegaram ao que era mais econômico para a empresa,†diz Brent Millikan, diretor do programa para a Amazônia da International Rivers, ONG que acompanha o impacto de hidrelétricas em todo mundo. “Não há um processo aberto de debate com a comunidade cientÃfica, é um processo entre o Ibama e a empresa.
E o Ibama não está imune a pressões polÃticas.†Vegetação retirada da área do reservatório Os pontos em amarelo mostram o desmatamento em ilhas e na beira do rio Teles Pires Não foram só os cientistas que não foram ouvidos sobre os detalhes do plano ambiental da hidrelétrica, mas também a população local afetada pela obra. “A discussão chegou ao local na hora em que já estava pronto, ninguém sabia de nada [sobre como seria o desmatamento],†diz João Andrade, coordenador do Programa Governança Florestal do Instituto Centro de Vida.
Usina de metano A principal consequência da série de erros cometidos pela usina será o aumento da emissão de metano. O gás é gerado quando uma substância orgânica se decompõe sem oxigênio, como no fundo do reservatório da hidrelétrica. Desta forma, as folhas, galhos e árvores deixados na área alagada vão se decompor e emitirão o gás metano em abundância.
Este fenômeno é estudado de perto no Brasil pelo biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele chama as hidrelétricas em paÃses tropicais de “fábricas de metanoâ€, já que emitem o gás de forma constante ao longo dos anos. O problema é comum a todas as hidrelétricas no Brasil, mas foi agravado em Teles Pires devido à grande quantidade de árvores e entulhos deixados no reservatório.
Fearnside chama a atenção para outra fonte de metano em Teles Pires: o mato que cresce em locais abandonados, conhecido como juquira. Como a maior parte da vegetação do reservatório foi retirada seis meses antes do seu enchimento, a juquira cresceu nos locais de onde saÃram as árvores.
Inundada, a vegetação baixa se transformará toda em metano. O mesmo problema vai se repetir devido ao ciclo natural de seca e cheia dos rios. A vegetação das margens do reservatório não está adaptada a ficar abaixo da água em parte do ano. Assim, ela vai apodrecer e gerar o gás tóxico anualmente. “Toda vez que rebaixar o nÃvel da água, vai se expor um lamaçal em volta do lago. Ali crescem ervas e gramÃneas, e tudo aquilo morre quando a água vem.
A vegetação fica no fundo, onde não tem oxigênio, e isso vira metano,†explica Fearnside. A hidrelétrica não respondeu à reportagem sobre a emissão do gás tóxico. Histórico repetido Teles Pires não será a primeira hidrelétrica a virar uma “fábrica de metanoâ€. O mesmo problema foi flagrado na construção da usina de Santo Antônio, em Rondônia. As imagens abaixo foram registradas em fevereiro de 2012, quando o reservatório começava a ser alagado.
Em 2012, a usina de Santo Antônio cometeu o mesmo erro: a vegetação do rio Madeira não foi retirada da área alagada “Todo mundo sabia que isso estava acontecendo, bastava andar de barco pelos lagos. O problema é que o Ibama não fiscalizaâ€, diz Artur Moret, fÃsico da Universidade Federal de Rondônia. “A empresa só retira a madeira que tem valor de mercado.
Se não tem valor, eles deixam lá mesmoâ€. Segundo Moret, esse é um problema geral na construção de hidrelétricas no Brasil. ConstruÃda há 25 anos, a usina de Balbina é o maior exemplo do problema. Ao norte de Manaus, foi alagada com a maior parte das árvores em pé dentro do lago. Quinze anos após ser construÃda, em 2005, a usina emitia dez vezes mais metano do que geraria uma termoelétrica movida a carvão com o mesmo potencial energético, segundo estudo do Inpa.
O desastre de Balbina não deve acontecer na mesma escala por que a área do reservatório de Teles Pires é menor e suas turbinas são mais eficientes, e desta forma a água fica menos retida no local. A nova usina, porém, já gera problemas ambientais antes mesmo de suas cinco turbinas funcionarem.
A geração de energia está atrasada em mais de seis meses por que a linha de transmissão que vai liga-la ao Sistema Interligado Nacional ainda não está pronta. O Ministério de Minas e Energia e a usina não souberam informar quando o problema estará solucionado. Hoje, Teles Pires é uma hidrelétrica que não gera energia, apenas gás metano.
 Piero Locatelli – Repórter Brasil








