Para desembargador do TJSP, o patrimônio digital como parte da herança é garantido pela Constituição por ter conteúdo econômico e afetivo
Por Ramana Rech, editado por Bruno Ignacio de Lima
O que acontece com os dados pessoais nos dispositivos quando alguém morre? Quem são as pessoas que podem acessá-los? E como? Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) se debruçou sobre o assunto e decidiu em um caso judicial que o patrimônio digital “pode integrar o espólio e, assim, ser objeto de sucessão”.
A decisão faz parte de um processo do Foro de Barueri em que uma mãe pedia o acesso ao ID Apple de sua filha falecida. Ela havia pedido que a empresa desbloqueasse o celular da filha. A companhia, no entanto, afirmou que o desbloqueio não ficava a cargo da empresa, e sim do usuário.
Na decisão de 1º grau, o juiz negou o pedido da mãe. O magistrado argumentou que, por incalculável que seja a dor de uma mãe ao perder sua filha, esse sentimento não pode se sobrepor à privacidade do indivíduo, que é um direito fundamental.
“Com o advento de inúmeros avanços científicos, principalmente no que toca à internet e aos meios de comunicação, criou-se uma realidade na qual a intimidade alheia tem se tornado cada vez mais frágil, considerando infinitas possibilidades de acessar e disseminar informações de cunho pessoal”, diz a decisão.
O texto destacou que smartphones guardam vídeos, fotos e mensagens “de natureza totalmente íntima”. O juiz considerou também que não havia registros ou evidências de que a filha gostaria que essas informações fossem compartilhadas.
Patrimônio digital faz parte de espólio, diz desembargador
Após recurso, porém, o relator levou em consideração, no acórdão, principalmente, a garantia ao direito de herança e que o patrimônio digital fazia parte desse conjunto, já que tem conteúdo afetivo e econômico.
Ele cita o enunciado número 687 da Constituição Federal que considera que o chamado “patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido”.
O relator descarta a ideia de que fornecer à mãe os dados armazenados no smartphone da filha falecida violaria o direito à privacidade. Não há nada que manifeste o desejo da falecida de que a mãe não acesse seus dados, diz.
Outro ponto levado em consideração no acórdão e citado pela mãe é que a Apple não se opunha ao pedido de patrimônio digital. Mas precisava de um pedido judicial para liberar o acesso ao ID.
Acesse o processo em: 1017379-58.2022.8.26.0068