A pedido do MPF, Corte reformou decisão do TRF1 que havia considerado condições degradantes apenas como infração às leis trabalhistas
Arte: Comunicação/MPF
Atendendo a recurso especial apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, nesta terça-feira (27), um fazendeiro a 4 anos e 5 meses de prisão por ter reduzido 12 trabalhadores rurais à condição análoga à de escravo – crime previsto no art. 149 do Código Penal – em fazenda localizada no interior Pará.
Por unanimidade, a Quinta Turma do STJ reafirmou que o cerceamento da liberdade de ir e vir não é a única forma de comprovar a escravidão contemporânea. Situações degradantes como falta de alojamento adequado, de instalações sanitárias e de água potável, entre outras, também caracterizam o crime e não podem ser consideradas simples infrações trabalhistas, como fez o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao analisar o caso.
A irregularidade na fazenda de produção de carvão vegetal foi comprovada por fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que encontrou 12 trabalhadores alojados em barracos com piso de chão batido e paredes cheias de frestas, sem proteção contra o tempo ou contra animais peçonhentos. Não havia água potável no local. A única água disponível era retirada de um poço abandonado, tinha coloração turva e cheiro ruim.
O alojamento não oferecia banheiros, e os trabalhadores precisavam fazer suas necessidades fisiológicas no mato. Eles não tinham acesso a equipamentos de proteção, medicamentos ou materiais de primeiros socorros. Não havia cozinha nem armários para guardar os alimentos. As refeições eram preparadas no chão, de forma improvisada, com o uso de fogareiros, o que colocava em risco a segurança alimentar das pessoas.
Apesar dessas condições, o TRF1 considerou que o trabalho escravo não estava caracterizado porque não ficou comprovado o uso de instrumentos que limitassem a liberdade de ir e vir dos trabalhadores. Pela decisão, a situação traduzia apenas as dificuldades logísticas normais do trabalho realizado no meio rural e da atividade de produção de carvão vegetal. Ou seja, o quadro configuraria violação às leis trabalhistas, sem repercussão criminal para o empregador, decisão que motivou a apresentação do recurso ao STJ.
Dignidade violada – Durante o julgamento, o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia sustentou que o Poder Judiciário brasileiro não pode normalizar condições de trabalho desse tipo. “Essas pessoas não são vistas como pessoas, mas como peões. E nisso reside a qualificação do caso como trabalho escravo, uma vez que o crime afeta não apenas a liberdade do trabalhador, mas também sua dignidade enquanto pessoa”, explicou ele.
O subprocurador-geral lembrou que todo trabalhador, seja ele do meio rural ou urbano, com atuação em qualquer ramo ou atividade, é merecedor de locais e condições de trabalho salubres e dignas, de modo que as atividades laborais não afetem sua segurança, saúde ou projeto de vida. “Esses desconhecidos trabalhadores do Pará não estão abaixo da lei e merecem proteção”, concluiu.
Por unanimidade, a Quinta Turma considerou que a jurisprudência do próprio STJ reconhece que condições irregulares de moradia, ausência de instalações sanitárias, deficiente acondicionamento dos alimentos, falta de água potável, assim como a ausência de material de primeiros socorros e de equipamentos de proteção individual, caracterizam o crime de trabalho escravo, mesmo que a limitação da liberdade não esteja comprovada.
Como o caso envolveu 12 vítimas, a pena incialmente aplicada ao fazendeiro foi aumentada em 2/3, como previsto no art. 70 do Código Penal. Além da reclusão, ele terá de pagar um total 20 dias-multa.
Secretaria de Comunicação Social MPF