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FLOR-CADÁVER: A planta com 'cheiro de morte' que atrai multidões quando floresce - Folha de Colider
domingo, 24/11/2024
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FLOR-CADÁVER: A planta com ‘cheiro de morte’ que atrai multidões quando floresce

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Flor-cadáver leva uma década para florescer e atrai multidões para admirá-la. Cientistas ainda estão estudando seu ciclo de vida.

TOPO

Por BBC

Flor-cadáver leva uma década para florescer e atrai multidões para admirá-la. Cientistas ainda estão estudando seu ciclo de vida — Foto: RBGE via BBC

Flor-cadáver leva uma década para florescer e atrai multidões para admirá-la. Cientistas ainda estão estudando seu ciclo de vida — Foto: RBGE via BBC

Estou em uma fila de pessoas caminhando lentamente por um caminho sinuoso, dentro de uma estufa quente e com cheiro de mofo.

Observamos coleções de plantas carnívoras e passamos por baixo de rododendros suspensos. Mas todos nós estamos aqui com um único objetivo: observar a flor-cadáver aberta.

Esta enorme planta do outro mundo, com seu cheiro característico, atrai a imaginação das pessoas, inspirando admiração há séculos. Mas foi somente nos anos 1990 que os pesquisadores começaram a examinar sua estranha anatomia com mais detalhes.

Eu nunca havia visto um exemplar antes. Quando fiz uma curva, lá estava ela, na estufa seguinte: uma longa espiga de tom amarelo-claro, que emerge do que parece ser uma enorme pétala verde grossa e enrugada com borda lilás, até atingir vários metros de altura.

A visão fez com que eu me protegesse contra o infame odor antes que ele me atingisse – a razão do seu nome “flor-cadáver”.

Estou no Jardim Botânico Real de Edimburgo (RBGE, na sigla em inglês), a capital da Escócia. E, pelo menos por alguns dias, a flor-cadáver é a grande atração do local.

A planta tem 22 anos de idade e recebeu o apelido de “New Reekie” – uma referência ao antigo nome da capital escocesa, Auld Reekie.

Ela floresceu dois dias antes da minha visita, mas não dura muito tempo. Por isso, decidi fazer parte do grupo de cerca de 2 mil pessoas que visitam o jardim para tentar observar a imensa flor e sentir o cheiro proporcionado por este evento incomum.

New Reekie chegou a Edimburgo quando era um cormo dormente – uma espécie de caule subterrâneo, parecido com um tubérculo. Ela já tinha anos de idade e o tamanho de uma laranja em 2003, quando veio do Horto Botânico de Leiden, na Holanda.

Quando a equipe pesou o cormo pela última vez, em 2010, eles precisaram tomar emprestada uma balança normalmente usada para pesar bebês elefantes no zoológico da cidade. Ele atingiu 153,9 kg, o maior peso já registrado para uma flor-cadáver.

A horticultora do RBGE, Paulina Maciejewska-Daruk, cuida de New Reekie há 13 anos. Ela conta que, na verdade, seu cultivo é bastante fácil. “Tudo o que ela precisa é de alta temperatura, muita água, muito fertilizante e é só deixá-la crescer.”

Já a publicidade em torno da planta é outra questão, segundo ela.

“Depois de tantos anos, normalmente penso ‘oh, ela vai florescer de novo, tenho muitas coisas para preparar'”, ela conta. “Por isso, em vez de ser uma mãe orgulhosa, eu me sinto como se [perguntando] ‘minha filha está pronta para este mundo enorme?'”

Batizada de New Reekie, a flor-cadáver escocesa levou mais de uma década para florescer pela primeira vez. Agora, ela é a atração do Jardim Botânico de Edimburgo a cada dois ou três anos — Foto: RBGE via BBC

Batizada de New Reekie, a flor-cadáver escocesa levou mais de uma década para florescer pela primeira vez. Agora, ela é a atração do Jardim Botânico de Edimburgo a cada dois ou três anos — Foto: RBGE via BBC

No seu local de origem (a ilha de Sumatra, na Indonésia), algumas pessoas observam a planta-cadáver com interesse e fascinação, afirma a botânica Yuzammi, do Centro de Pesquisa de Biossistemática e Evolução da Indonésia e especialista no gênero Amorphophallus, ao qual pertence a flor-cadáver.

Mas outras pessoas observam a flor com ansiedade, medo e preocupação, segundo a botânica. Elas acreditam em uma velha lenda de que a planta pode fazer mal.

“[Existe uma] crença errônea de que esta planta pode engolir seres humanos, devido ao padrão dos pecíolos, que relembram uma cobra”, explica Yuzammi.

Mas a flor-cadáver também tem uma longa história de vida fora da sua ilha nativa.

O botânico italiano Odoardo Beccari (1843-1920) apresentou a flor à ciência pela primeira vez em 1878. Ele visitou Sumatra e enviou relatórios e desenhos da planta para a Europa, cuidadosamente ignorando todo o conhecimento local sobre a flor existente na ilha. Beccari também enviaria tubérculos da flor posteriormente.

A flor-cadáver logo seria adorada pelos vitorianos – especialmente depois de 1889, quando floresceu pela primeira vez em cultivo no Kew Gardens, o Jardim Botânico de Londres.

Na sua segunda floração, em 1926, ela atraiu multidões tão numerosas que foi preciso chamar a polícia para manter a ordem. E, desde então, as flores-cadáver se espalharam por jardins botânicos em todo o mundo.

A flor passou a chegar às manchetes da imprensa periodicamente durante sua floração, que ocorreu apenas 21 vezes em todo o mundo até 1989.

Os muitos nomes da flor-cadáver

O nome científico da flor-cadáver é Amorphophallus titanum. Ele é derivado do grego antigo e significa “pênis deformado gigante“.

Mas as pessoas se divertem criando todo tipo de apelido para a flor-cadáver. Muitas vezes, elas fazem referência ao seu cheiro ou formato.

Na Indonésia, ela é conhecida como bunga bangkai (“flor-cadáver”). Em inglês, além de corpse plant (“planta-cadáver”), ela pode ser chamada de carrion plant (“planta-carniça”), titan’s penis (“pênis do gigante”) ou simplesmente giant penis plant (“planta do pênis gigante”). Em português, ela também é conhecida como jarro-titã.

Os jardins botânicos também gostam de dar seus próprios nomes aos seus espécimes. Além de New Reekie, existe a Grimace (Careta), Spike (Espiga), Sprout (Broto), Velvet Queen (Rainha de Veludo) e, ironicamente para seu tamanho, Baby (Bebê).

Mas o que há nesta planta que nos causa tanta fascinação?

Um dos motivos é que a abertura da inflorescência – o conjunto de flores – da flor-cadáver em cultivo ainda é um evento relativamente raro.

Ela costuma levar cerca de 11 a 15 anos para produzir suas primeiras flores, segundo Yuzammi, devido à enorme quantidade de energia necessária para produzir uma estrutura de floração daquele tamanho.

Desenho da flor-cadáver, natural da ilha de Sumatra, na Indonésia — Foto: Linda Hall Library via BBC

Desenho da flor-cadáver, natural da ilha de Sumatra, na Indonésia — Foto: Linda Hall Library via BBC

O imenso tamanho da flor-cadáver é uma relativa singularidade botânica.

Pesquisas descobriram que o gigantismo floral é mais comum em espécies polinizadas por besouros ou moscas necrófagas. Possivelmente, isso ocorre porque o gigantismo permite que elas imitem melhor o calor e o tamanho das grandes carcaças de animais, além de capturar temporariamente esses polinizadores.

O resultado é que a flor-cadáver precisa passar por diversos estágios de vida, até ter a esperança de reunir energia suficiente para florescer.

Nas plantas jovens, seu primeiro ciclo de vida varia entre períodos dormentes e de formação de folhas. Não há presença de flores em nenhum destes estágios.

A planta usa o estágio de formação de folhas para reunir energia. O “caule” permanece embaixo da terra, enquanto a estrutura acima do solo, às vezes confundida com uma árvore, na verdade, é uma folha gigante, da qual brotam pequenos folíolos.

Já na fase dormente, apenas o cormo permanece embaixo da terra e a planta vive das reservas de energia acumuladas durante seu “estado de repouso”, explica Yuzammi.

O processo se repete até que a planta consiga reunir energia suficiente para florescer – e é aí que as aparências enganam.

“A flor que mereceu tanto reconhecimento público, na verdade, não é uma flor real”, conta Yuzammi. “O componente colorido não são… pétalas, mas sim um meio de atrair insetos polinizadores e servir de estrutura protetora durante o processo de fertilização.”

A enorme estrutura em forma de flor é chamada de espata. Já as flores reais são pequenas e numerosas. Elas aparecem no fundo dos longos espádices amarelos – as flores fêmeas embaixo e os machos, em cima.

Ou seja, a flor-cadáver não é, nem de longe, a maior flor do mundo. Ela é a maior estrutura de floração sem galhos do planeta.

Um corte na espata da flor-cadáver mostra as flores, fêmeas (embaixo) e machos (em cima) no seu interior — Foto: Alamy via BBC

Um corte na espata da flor-cadáver mostra as flores, fêmeas (embaixo) e machos (em cima) no seu interior — Foto: Alamy via BBC

Depois de alguns alarmes falsos, New Reekie floresceu pela primeira vez em 2015, quando tinha 13 anos de idade. Desde então, ela floresce a cada dois ou três anos e minha visita ocorreu na sua quinta floração.

Ao longo do tempo, os horticultores que cuidam da planta também passaram a conhecê-la melhor.

“Desta vez, eu e meu colega conseguimos prever especificamente o dia em que ela irá abrir”, conta Maciejewska-Daruk. “É claro que nunca temos 100% de certeza, mas, desta vez, nossa previsão foi precisa.”

E existe o famoso cheiro. Durante a floração, o longo espádice amarelo da flor-cadáver emite um odor forte e penetrante.

Infelizmente, fiz minha visita a New Reekie muito tarde para sentir seu cheiro. Mas o que não falta são descrições bastante detalhadas. Para Maciejewska-Daruk, por exemplo, “é horrível”.

“Diferentes pessoas têm percepções diferentes do cheiro, como peixe podre ou meias com cheiro muito forte. Para mim, o odor é de um cesto de lixo abarrotado de comida.”

Outros descrevem um cheiro fétido, como urina, queijo azedo ou esterco.

A professora de engenharia química e biológica Jane Hill, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, não acha que o odor seja muito parecido com a maioria dos cadáveres de animais. “Para mim, é um cheiro pungente, mais parecido com um rato morto e dissecado”, ela conta.

Em um estudo de 2023, Hill e seus colegas se puseram a analisar as moléculas voláteis por trás do odor das flores, machos e fêmeas. Eles usaram equipamentos altamente sensíveis, normalmente empregados para procurar biomarcadores de doenças no hálito humano.

Durante a amostragem, Hill observou que a planta emitia as moléculas em pulsos que duravam apenas alguns segundos.

“Nosso estudo descobriu 32 novas moléculas e demonstrou que as flores, machos e fêmeas, emitem tipos diferentes de compostos e, às vezes, os mesmos compostos”, explica Hill.

Diferentes odores produzidos ao longo do tempo podem atrair insetos diferentes, segundo ela. “Como uma planta descobriu que deveria cheirar como um animal morto e nojento para se reproduzir?”

Aquele forte odor está ali para fazer os polinizadores pousarem no que eles pensam que é carne apodrecida, movimentando o pólen entre as flores machos e fêmeas de diferentes plantas.

No caso da flor-cadáver, todas elas têm flores dos dois sexos. Os machos ficam posicionados acima das fêmeas sem pétalas, sobre o espádice amarelo.

O cheiro também é muito mais forte à noite, segundo Yuzammi, quando as flores também amadurecem. Afinal, é neste período que os polinizadores são mais ativos.

Existem relatos de que o odor atrai outros insetos que se alimentam de carniça, como besouros, baratas e moscas. E já foram observadas abelhas sem ferrão visitando a planta no seu ambiente natural.

Também já foram encontrados insetos que usam a planta como local de acasalamento. Mas ainda não se sabe exatamente quais são as espécies responsáveis pela polinização da flor-cadáver.

A outra flor-cadáver

Uma forte concorrente à fama da flor-cadáver é a Rafflesia arnoldii, outra planta de floração imensa. Natural de Sumatra, ela também produz cheiro de carne apodrecida.

Em outros idiomas, ela também costuma ser chamada de flor-cadáver ou de lírio-cadáver-malcheiroso. Mas, em português, ela é simplesmente raflésia.

Embora ela costume ser confundida com a flor-cadáver, não existe nenhuma relação entre as duas plantas.

Ao contrário da flor-cadáver, a raflésia é parasitária. Ela gera uma única flor de um metro de diâmetro – esta, sim, a maior flor do mundo.

Aquecedor

A flor-cadáver tem ainda outro truque estranho na manga para ajudar a atrair os insetos: ela irradia calor.

“Ele ajuda a expelir o odor, o calor ajuda a atrair os polinizadores”, segundo o botânico e taxonomista do RBGE Peter Wilkie. Ele trabalhou em Sumatra por mais de 30 anos e eu o visitei no seu escritório, atrás do enorme herbário no jardim.

“E precisa também ser muito quente, se você lembrar que ela fica nos trópicos [onde] a temperatura ambiente é muito alta e é muito úmido”, destaca Wilkie.

A flor-cadáver emite o calor em pulsos sincronizados com a liberação do seu odor especial. Pesquisas demonstraram que este calor pode atingir até 36 °C, o que é próximo da temperatura do corpo humano.

E alguns cientistas afirmam que a cor lilás da sua espata também ajuda a aumentar a semelhança com carne apodrecida.

Mas é preciso observar que a flor-cadáver não é uma planta carnívora. Ela atrai os insetos para polinização, não para devorá-los.

“Sempre que ela floresce, fico surpresa ao ver quantas pessoas têm certeza de que ela está comendo, matando os insetos”, conta Maciejewska-Daruk.

Risco de extinção

A biologia única e o tamanho gigantesco da flor-cadáver deram a ela uma reputação que poucas outras plantas possuem. Mas, apesar de todo o alvoroço em torno da inflorescência em dezenas de jardins botânicos de todo o mundo, nem tudo vai bem para a flor-cadáver no seu ambiente nativo.

Em 2015, depois que cerca de 20 mil escoceses formaram fila no lado de fora das estufas apenas para observar a flor-cadáver, Wilkie ficou surpreso ao perceber que a planta nunca foi avaliada para inclusão na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

“A lista vermelha da UICN é uma espécie de padrão-ouro da determinação de ameaças às espécies”, explica ele. “E esta espécie emblemática nunca havia sido avaliada.”

Ele trabalhou com Yuzammi e com a horticultora do RBGE Sadie Barber para realizar a avaliação. Seu estudo foi publicado em 2018 e define a planta como ameaçada.

Descobriu-se que, em Sumatra, a população da espécie sofreu redução estimada de 50% nos últimos 90 a 150 anos. Agora, existem menos de 1 mil plantas maduras em ambiente natural.

O declínio se deve ao desmatamento ilegal, à transformação de florestas em terras agrícolas e aos desastres naturais, segundo Yuzammi. Ela acrescenta que outra ameaça é o mito local de que ela engole seres humanos, além da coleta ilegal para medicina alternativa.

A tábua de salvação da planta, segundo Wilkie, é que ela ainda é relativamente comum em Sumatra. E ela gosta de crescer em áreas abertas, como faixas de desmatamento, não em florestas primárias intocadas.

Yuzammi destaca que a planta agora é protegida pela legislação da Indonésia.

Atualmente, pesquisadores indonésios estudam a diversidade genética na natureza, segundo Wilkie. Mas a determinação também aumentou a pressão sobre as plantas cultivadas nos jardins botânicos, que formam uma importante reserva genética.

Os cientistas publicaram pela primeira vez a sequência genética completa da flor-cadáver em 2022. Mas existe a preocupação de que muitas ou, talvez, todas as plantas mantidas em jardins botânicos possam ser parentes entre si.

“Existe grande possibilidade de que todas elas sejam descendentes da mesma planta”, afirma Maciejewska-Daruk.

Os cientistas agora usam métodos de criação de animais para conservar a planta-cadáver. Eles empregam um sistema similar aos “livros genealógicos” dos animais.

A planta de Edimburgo foi fertilizada durante sua floração de 2019 utilizando pólen fresco, rapidamente transportado de uma planta da mesma espécie que estava florescendo na região inglesa da Cornualha.

Os frutos ovais vermelhos da flor-cadáver, do tamanho de seixos, surgem nove meses depois da fertilização. Cada um deles contém duas sementes.

Na natureza, pássaros como o calau-rinoceronte comem os frutos e espalham as sementes. Mas a produção de frutos é muito cansativa para o cormo, segundo Maciejewska-Daruk.

“Por isso, sempre existe o risco de morte do cormo depois de produzir frutos”, ressalta ela.

A estufa do RBGE mantém descendentes de New Reekie com diferentes tamanhos. Eles foram produzidos sexualmente após a fertilização e também de forma assexuada, por meio da produção de clones.

Mas, desta vez, ela não foi fertilizada e, quando a visitei de novo, a aparência da planta era muito menos imponente do que antes.

Ela havia pendido para um lado alguns dias depois da minha primeira visita. Tudo o que resta, três semanas depois, é um amarrotado conjunto de material vegetal marrom-amarelado em decomposição.

Maciejewska-Daruk cava a terra do vaso e ela sai totalmente do cormo. A planta está entrando mais uma vez no seu estágio dormente. A próxima oportunidade de ver o espetáculo pode surgir apenas daqui a vários anos.

“A cada vez que assistimos e a observamos, fazemos coletas e aprendemos um pouco mais sobre como ela funciona”, afirma Wilkie. “E tudo isso nos faz entender como podemos ajudá-la a florescer na natureza.”

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

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