Cimeterium nostrum
NOSSO CEMITÉRIO
imagens reprodução web
Por: JOSÉ VIEIRA, Mccj
Os Romanos chamavam mare nostrum – o nosso mar – ao Mediterrâneo. A bacia mediterrânica tornou-se o cimeterium nostrum – o nosso cemitério – para milhares de africanos e médio-orientais que morreram na rota do sonho europeu.
            A Organização Internacional para as Migrações (OIM) publicou em finais de Setembro o relatório «Viagens fatais – Rastreando vidas perdidas durante as migrações». O documento revela que entre Janeiro e Setembro deste ano 3072 pessoas morreram no Mediterrâneo, quase cinco vezes mais que em 2013. Vinham das costas da LÃbia, Egipto e Argélia, em embarcações sobrelotadas e inadequadas. Mais de 40 por cento eram africanos subsarianos e do Corno de Ãfrica (Somália, Etiópia, Jibuti e Eritreia). Outros 30 por cento eram do Médio Oriente, sobretudo da SÃria, e do Norte de Ãfrica.
The Migrantes Files documentou que, nos últimos catorze anos, mais de 22 mil pessoas encontraram a morte ao tentar chegar ilegalmente à Europa através dos desertos e do mar.
Entre Janeiro e Agosto, a Itália contabilizou 112 mil imigrantes que chegaram à s suas fronteiras sem papéis, quase três vezes mais do que em 2013. Fogem da pobreza, de guerras, de regimes repressivos, de perseguições polÃticas e religiosas.
Vêm da República Democrática do Congo, Camarões, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Senegal, Mali, NÃger, TunÃsia, Chade, Sudão, Etiópia, Eritreia, Somália ou LÃbia. O coronel Kadhafi acolheu 2,5 milhões de trabalhadores subsarianos para fomentar o seu pan-africanismo. Depois da sua morte, em 2011, viram-se malqueridos pelas milÃcias que ocuparam o vazio polÃtico. Muitos decidiram tentar a sorte no eldorado europeu, outros regressaram à s suas terras.
Isaias Afewerki transformou a Eritreia num campo de concentração e dois a cinco mil eritreus saem por mês, a salto, do paÃs. São na maioria jovens desertores para escapar aos trabalhos forçados do serviço militar. Tornam-se presa fácil para bandos armados que os «caçam» no Leste sudanês e no Sinai para exigir resgates na ordem dos 17 mil euros. Entre 2009 e 2013, 25 a 30 mil eritreus foram sequestrados e um terço morreu em cativeiro porque as famÃlias não tinham meios para pagar a remição. O «negócio macabro», que inclui tráfico de órgãos, gera 460 milhões de euros por ano.
O Papa Francisco, quando visitou Lampedusa, em Julho do ano passado, para «chorar os mortos» do Mediterrâneo, denunciou «a globalização da indiferença» que faz perder o sentido da responsabilidade fraterna. «Estamos habituados ao sofrimento dos outros», disse, enquanto pediu perdão pela indiferença dos corações anestesiados a viver «na bolha de sabão do bem-estar».
Paradoxalmente, somos um continente que ganhou forma através de migrações sucessivas, mas desconsideramos a imigração. Descendemos dos Lusitanos, que vieram do cruzamento de povos locais com iberos do Norte de Ãfrica e de celtas da Europa Central. Também temos sangue romano, suevo, visigodo, magrebino. Somos um povo e um continente de emigrantes que buscaram – e buscam – uma vida melhor noutras paragens, mas não queremos os de fora.
A IOM diz que as missões de busca e salvamento que as marinhas de guerra levam a cabo no Mediterrâneo para impedir mais tragédias não chegam. É preciso mudar a legislação sobre a imigração legal, criar corredores seguros para refugiados, aumentar quotas de asilo e levar à justiça os traficantes que fazem milhões à custa da esperança de quem sonha com uma vida melhor. E a ajudar a criar condições económicas sustentadas que fixem as pessoas.
«Tende a coragem de acolher aqueles que procuram uma vida melhor», apelou o Papa Francisco para os habitantes de Lampedusa. E também à Europa! Até porque com o Ãndice de natalidade que temos, vão ter de ser os imigrantes a garantir as nossas reformas.