Rodrigo Gularte está no “corredor da morte” na Indonésia, mas acredita que sua execução, tida como iminente, é parte de uma mentira.
Seu nome está nos jornais entre aqueles a serem executados em breve pelas autoridades indonésias. Mesmo assim, o brasileiro desconfia do que lê, e diz que sua pena não será cumprida. É o que contam parentes e conhecidos.
O paranaense, de 42 anos, foi condenado à morte em 2005, um ano depois de ser preso no aeroporto de Jacarta com 6kg de cocaÃna escondidos em pranchas de surfe.
Gularte está na prisão de Nusakambagan, conhecida como “Ilha da Morte”, à espera de uma definição sobre sua execução. No ano passado, ele foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e, segundo seu advogado de defesa, a legislação Indonésia não permite a execução de um preso que não esteja em suas plenas condições mentais.
O governo indonésio, no entanto, ainda não anunciou uma decisão para o caso.
A famÃlia diz que o paranaense passa a maior parte do tempo na prisão sozinho, conversando com paredes, fantasmas e “ouvindo vozes de satélites”. Parentes aguardam o resultado de uma segunda avaliação médica, feita na semana passada, a pedido das autoridades indonésias.
É o último recurso para tentar livrá-lo da morte.
A famÃlia tenta que ele seja transferido para um hospital psiquiátrico. Tony Spontana, porta-voz da Procuradoria-Geral da Indonésia, disse à BBC Brasil na semana passada que autoridades ainda aguardavam os resultados deste último exame.
Na Indonésia, a punição para o crime de tráfico de drogas é o fuzilamento.
‘Infância feliz’
A mãe de Rodrigo, Clarisse, de 70 anos, esteve com o filho pela última vez em fevereiro. Ela disse que seu “coração sangrava”.
“Ele está completamente depressivo, só fala coisas desconexas”, conta. Natural de Foz do Iguaçu, de uma famÃlia de classe média alta, Gularte teve o surfe como esporte preferido. Parentes e conhecidos falam de um rapaz alto, gentil e educado.
Para Clarisse, a infância de Gularte foi “feliz e normal”. A BBC Brasil conversou com ela por telefone em fevereiro, quando fez sua última visita à Indonésia.
“Ele tinha um comportamento razoável. Mas, com o passar do tempo, foi mudando as atitudes. E a gente quase não percebeu”, disse Clarisse, com voz grave e respostas curtas e diretas.
Estas mudanças teriam começado aos 13 anos, mas pioraram quando os pais se divorciaram, diz a prima Angelita Muxfeldt, há quase dois meses na Indonésia tentando garantir a transferência de Gularte.
O primeiro tratamento contra a dependência de drogas foi aos 16 anos, quando parentes dizem ter percebido indÃcios de bipolaridade.
Outros viriam, sem sucesso. A depressão, aliada ao uso de drogas, só fez Gularte piorar, conta Angelita.
Clarisse tentou ajudar o filho com trabalho. Gularte ganhou um restaurante para administrar, pago pela mãe. Teve um filho, autista, hoje com 21 anos, com quem pouco se relacionou.
Mas o contato com as drogas, de todos os tipos, continuou intenso.
A mãe e a prima visitaram o paranaense com frequência nos últimos dez anos. Com o pai, o médico Rubens, a relação foi só por cartas ou telefone, segundo a famÃlia.
Enredo de filme
A Indonésia é parte das rotas do tráfico de drogas no Sudeste Asiático e é conhecida por ter uma das mais duras leis contra narcóticos do mundo. A pena de morte para tráfico tem apoio popular aqui.
Mesmo assim, traficantes se aventuram, atraÃdos pelo lucro vindo do tráfico. Mais de 130 presos estão no corredor da morte, 57 por tráfico, segundo a agência Associated Press.
O governo alega que entre 40 e 50 pessoas morrem todos os dias no paÃs devido à s drogas, um número difÃcil de ser confirmado.
O presidente, Joko Widodo, disse que rejeitaria clemência a condenados por tráfico devido à “situação de emergência causada pelas drogas no paÃs”.
A viagem de Gularte para a Indonésia, em julho de 2004, foi “uma tragédia”, diz a mãe. A prima fala em “erro imenso”.
Para a famÃlia, ele foi aliciado por traficantes internacionais, que se aproveitaram dos seus problemas mentais.
O que aconteceu depois poderia virar filme.
Ao ser pego, estava com outras duas pessoas, que escaparam. Gularte assumiu responsabilidade por toda a droga que era levada, segundo Angelita.
A mãe e a prima chegariam à Indonésia uma semana após a prisão. Um advogado se ofereceu para defender Rodrigo ainda no aeroporto.
“Nós ligamos para esse advogado, ele veio até o nosso hotel e perguntou: ‘Vocês querem ver o Rodrigo?’”, diz Angelita.
Era por volta das 21h, diz. “’Mas é possÃvel?’ eu perguntei. Ele deu um telefonema e disse: ‘Vamos’. Chegamos na prisão, ele mandou o Rodrigo vir, o vimos e conversamos com ele. O advogado nos mostrou que era influente”.
A famÃlia ficou impressionada. Pagou pelo advogado, mas ele fugiu com o dinheiro. Perdeu prazos e recursos e, no julgamento, não apareceu.
Na verdade, nem o advogado, nem representantes da embaixada brasileira, nem a famÃlia apareceram no julgamento. Segundo a prima de Gularte, eles não teriam sido avisados.
Sem defesa, diz a prima, Rodrigo foi condenado à morte em 2005. Depois disso, ainda tentaria suicÃdio na prisão.
Exames e mais exames
Há três anos Gularte piorou, diz Angelita. No ano passado, parentes contrataram uma equipe médica para que examinasse seu estado mental.
O diagnóstico: esquizofrenia paranoide, com delÃrios e alucinações. E a recomendação de que ele fosse transferido para um hospital psquiátrico.
Mas o laudo não foi aceito pelas autoridades indonésias, já que os especialistas haviam sido contratados pela defesa.
Um novo exame feito por um grupo diferente de especialistas aceito pelo governo, em fevereiro, confirmou o exame inicial.
Autoridades, então, ordenaram outra avaliação, feita na semana passada, e cujo resultado ainda não foi divulgado.
Familiares dizem que há anos tentam convencer Gularte a receber tratamento fora da prisão. Mas ele se recusa a deixar a ilha, dizendo não estar doente.
‘Vozes de satélite’
O padre irlandês Romo Carolus conheceu o brasileiro anos atrás, nas missas que celebrava na prisão.
Fala de alguém “sensÃvel, que nunca causou problemas”.
Diz que, nos últimos anos, Gularte passou a falar com “vozes de satélite e as paredes”. E que, desde o ano passado, não consegue sequer assistir à s missas, antes frequentadas com certa regularidade.
Estas vozes, disseram o padre e a prima, alertam Rodrigo de que a prisão é um local seguro e que, fora dali, ele pode ser morto.
“Ele diz que no hospital não é seguro. Que ele vai ser encapuzado, algemado. Que tem franco-atiradores na ilha e que ele vai ser morto a caminho do hospital”, disse Angelita, que tem visitado Rodrigo todas as terças e quintas-feiras.
Ela conversou com a BBC Brasil após a visita da última terça-feira. Segundo Angelita, o primo cita “vidas passadas no Egito e histórias surreais”. Os outros presos teriam medo de dividir a cela com ele.
Ainda de acordo com Angelita, Gularte se recusa a tirar um boné, virado para trás, que diz ser sua proteção. Recentemente, teria perdido 15kg, disse a mãe.
‘Alcatraz indonésia’
Nusakambangan é um complexo com sete prisões, onde estão centenas de condenados por tráfico, assassinato e outros crimes.
Tem o apelido de “Alcatraz da Indonésia” e dezenas de presos estão ali à espera das execuções.
O ambiente, apesar disso, é leve, segundo o padre Carolus. “Todo mundo diz que a filosofia é do ‘viva e deixe viver'”.
O padre diz que há quadras de tênis, bibliotecas e salas para visitas.
Familiares e outros conhecidos falam de guardas educados e solidários.
Parentes podem levar dinheiro aos presos, que compram comida ou pagam por cortes de cabelo feitos por outros presos, numa espécie de comércio local.
Outros detentos fazem dinheiro vendendo artes para visitantes, afirmaram à BBC Brasil pessoas que estiveram na cadeia.
Foi em Nusakambangan que o carioca Marco Archer Cardoso Moreira foi executado em janeiro, junto com seis outros presos.
Marco havia sido preso pouco antes de Gularte, também em Jacarta, ao tentar entrar com 13,4 kg de cocaÃna escondidos em tubos de asa delta. Ele se tornou o primeiro brasileiro a ser executado no exterior em tempos de paz.
Na prisão, Marco e Rodrigo Gularte se encontraram. Quem os conheceu disse que o primeiro era extrovertido e o segundo mais quieto, e que a amizade que tinham era limitada.
Caso ‘pop’
A publicidade do caso tem ajudado Gularte, acredita a famÃlia.
Nove outros presos também enfrentam a pena de morte, entre eles, os australianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran. Presos em 2005, foram condenados à morte no ano seguinte, como lÃderes da gangue “Os Nove de Bali”.
Antes, os australianos recebiam atenção quase integral da imprensa. Agora, o processo de Gularte tem destaque nos jornais locais e a mÃdia estrangeira também tem se debruçado sobre o caso.
Em diversas conversas com a BBC Brasil nas últimas semanas, a prima vibrou com notÃcias que via como favoráveis ao primo. PouquÃssimas vezes usou a palavra “execução” para referir-se à pena dele.
“Estamos esperançosos”, diz a prima. “O Gularte está doente, o laudo mostrou. Nós não estamos inventando”.