Organização dos jogos reduz oferta de proteína animal no evento, sob alegação de maior sustentabilidade; especialistas destacam equívocos da medida
As Olimpíadas de Paris, que entram hoje na segunda e última semana, ficarão marcadas, entre outras coisas, pela polêmica da redução de oferta de proteína de origem animal durante os jogos. O objetivo era passar a mensagem de que a pecuária seria responsável pelo aquecimento global.
A reportagem do Canal Rural conversou com uma atleta da delegação brasileira na França, que pediu para não ser identificada, e ela confirmou que houve muita reclamação nos primeiros dias pela falta de ovos e carne nas refeições, mas que depois o problema foi resolvido. Mas será que a pecuária é mesmo a vilã da emissão de gases de efeito estufa? E qual o prejuízo nutricional para os atletas diante da restrição de proteína animal? Nós procuramos especialistas para responder a essas perguntas.
O comitê organizador de Paris dividiu em três grupos os consumidores das 13 milhões de refeições servidas durante os jogos. Para os espectadores, foi definido que 60% do cardápio seria vegetariano. No segundo grupo, composto por voluntários, mídia e funcionários, 50% da alimentação também seria vegetariana. O terceiro grupo, na Vila Olímpica onde ficam as delegações, não teve um percentual definido, mas o objetivo também era o de valorizar a alimentação vegetariana.
A imprensa internacional chegou a noticiar o problema. O jornal francês Le Monde destacou que, segundo representantes da equipe britânica, não havia o suficiente de certos alimentos como ovos, frangos e carboidratos. No Le Figaro, a reportagem aponta que os ovos, carro-chefe da alimentação dos atletas, têm estado em falta em Paris. A agência de notícias Reuters disse que a quantidade e a qualidade dos alimentos atraíram críticas dos competidores, depois que a organização racionou os ovos no café da manhã na semana passada. A reportagem ainda diz que, depois das reclamações, o CEO do comitê dos jogos admitiu que houve um reforço nas proteínas animais, com 700 kg de ovos e uma tonelada de carnes.
Para o nutricionista Luiz Dalla, a proteína de origem animal é fundamental para a performance de um atleta de alto rendimento. “A proteína é um nutriente essencial para todos nós, mas o atleta tem uma necessidade maior por ter um desgaste maior da musculatura. Eles [os competidores] estão ali num momento que precisam estar no ápice da performance. Se você não tem essa proteína de alto valor biológico em quantidades suficientes, prejudica a recuperação do atleta, diminuindo seu desempenho e aumentando o risco de lesão.”
O maior evento esportivo do mundo elegeu a pecuária como vilã das emissões de gases de efeito estufa. Mas, para Marcelo Manella, PhD em ciência animal, na digestão do bovino, é natural a emissão de metano. Esse metano, segundo ele, transformado em equivalente de carbono, só fica dez anos na atmosfera e volta a ciclar via pastagem pela fotossíntese. “A planta retira carbono da atmosfera, transforma em alimento para o boi, que transforma em carne e leite. Isso é cíclico, então não há carbono novo entrando na natureza.”
Segundo o especialista, além de não ser responsável pelo aquecimento global, a pecuária pode ser um agente mitigador de gases de efeito estufa. Uma pesquisa feita pela Universidade de Pernambuco em parceria com a Universidade Federal do Paraná mostra que a pastagem de braquiária bem manejada pode retirar da atmosfera 160 toneladas de equivalente carbono por ano, por hectare.
“Outras ferramentas podem ser usadas, como estratégias nutricionais, aditivos alimentares e fontes de alimentos que reduzem a emissão de metano. A pecuária não é a causa do aumento do efeito estufa, mas sim a solução para o aquecimento global”, afirma Manella. “Diferentemente do que muitos ambientalistas falam sem conhecimento de causa, o bovino emite só 3% [dos gases de efeito estufa].”