Após recursos do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), a Justiça Federal revogou parcialmente, nesta sexta-feira (24), decisão que determinava a desobstrução total do km 922 da rodovia BR-163, em Belterra, sudoeste do Pará. No local, desde o último dia 16, manifestantes indígenas e não indígenas protestam contra a conversão de aulas presenciais em virtuais, após a aprovação da Lei Estadual nº 10.820/2024. Os manifestantes bloqueiam parcialmente a rodovia, liberando o tráfego em horários específicos.
Foto: Ari Maytapu/@citabt, via site Amazônia Real, em licença CC BY-ND 4.0
Foi emitida ordem, sem consulta prévia, para que indígenas desocupem o órgão, onde protestam contra lei estadual que afeta a educação nas aldeias
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com recurso urgente para que a Justiça Federal suspenda, imediatamente, decisão que determina a desocupação parcial, por manifestantes indígenas, da sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém. Procuradores e procuradoras da República em todo o Pará argumentam que a decisão desconsidera direitos básicos dos povos indígenas, especialmente, à representatividade adequada, à consulta e à manifestação. Os manifestantes protestam contra uma lei estadual que afeta o ensino médio presencial em comunidades tradicionais.
A decisão atendeu pedido do governo estadual, segundo o qual a ocupação impediria o funcionamento da secretaria, o que foi refutado pelo MPF, por meio de provas concretas, como vídeos divulgados nas redes sociais pelo próprio secretário de Estado de Educação, Rossieli Soares, que comprovam a plena continuidade do funcionamento da Seduc.
Intimação irregular – O MPF alega que a intimação da decisão aos manifestantes também não foi feita de forma regular.
Apesar da Resolução nº 454/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer diretrizes e procedimentos para garantir aos povos indígenas o direito de participação e representatividade adequada em processos judiciais que afetem seus direitos, a intimação foi emitida sem consulta prévia para indicação de representantes das comunidades pluriétnicas, se referindo aos indígenas que ocupam a Seduc como “coletividade de indígenas diversos e indeterminados”.
A norma estabelece, ainda, que a intimação ou atuação de qualquer instituição, mesmo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), não substitui a obrigatoriedade de inclusão e participação efetiva dos povos indígenas interessados, alerta o MPF.
Como consequência da falta de consulta e diálogo com os manifestantes, a escolha de representante da ocupação responsável pelo recebimento da ordem judicial foi realizada de forma subjetiva e também irregular, pelo próprio oficial de Justiça, mesmo este não tendo atribuição e legitimidade para isso. “Cada povo indígena possui suas próprias formas de organização e representação. Não se sustenta qualquer presunção, construída por terceiros, sobre quais são suas lideranças e porta-vozes”, reforça o MPF.
Dimensão e pluralidade – Conforme divulgado pelos manifestantes e por veículos de imprensa, a ocupação é composta por mais de 300 pessoas, de dezenas de povos e etnias de diferentes regiões do Pará, ou seja, não se limita a um único grupo, mas ao encontro de diferentes culturas, línguas, tradições, valores e objetivos.
Por isso, o MPF afirma que a intimação enviada pela Justiça de forma genérica e indevida, viola direitos fundamentais dos povos indígenas, que lutam pela permanência do ensino presencial em comunidades tradicionais no Pará, e representa falha no processo judicial, por não assegurar aos manifestantes a efetiva compreensão do conteúdo e das consequências do comunicado, impossibilitando o direito à ampla defesa e plena participação.
O prazo de 12 horas estabelecido pela Justiça para desocupação da Seduc não considera a norma do CNJ, que garante prazos diferenciados para indígenas. “A exiguidade do prazo e a forma da decisão e da intimação realizada pelo oficial de Justiça demonstram a ausência de uma preocupação em assegurar que os indígenas tivessem condições equânimes de participar do processo”, alerta o MPF.
Risco iminente – Para o MPF, divulgações do governo do Pará que tentam desqualificar a legitimidade das manifestações, o longo período de ocupação sem tentativas efetivas do estado de solucionar as demandas dos povos indígenas, assim como outras irregularidades e violações de direitos ocorridas no processo judicial, aumentam o risco de conflitos e representam risco de dano grave e de difícil reparação aos indígenas, que estão exercendo seu direito de manifestação.
Além disso, o MPF pede que a decisão seja modificada, para que seja garantida a participação efetiva dos indígenas no processo, e que o Estado do Pará seja punido por suas condutas.
Reiteração de pedidos – Por avaliar que a decisão judicial também desconsiderou outros pedidos feitos pelo MPF, a instituição volta a pedir:
• que o estado do Pará seja condenado por litigância de má-fé, que ocorre quando uma parte do processo atua com a intenção de prejudicar a outra;
• que sejam riscadas do processo expressões ofensivas utilizadas pelo estado do Pará contra o MPF, como “narcisismo institucional”, “beatitude do Ministério Público Federal”, “suposto custos legis” [“suposto fiscal da lei”], “simplesmente fantasioso, abertamente teratológico”, e “verborrágico”, dentre outras.
Contexto – Desde o dia 14 deste mês, lideranças indígenas e professores ocupam a sede da Seduc, em Belém, para protestar contra a Lei Estadual nº 10.820/2024.
A norma, aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) em regime de urgência durante a 36ª sessão ordinária de 2024 – última do ano – sem diálogo prévio com as categorias e comunidades afetadas, precariza o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei), que garantem o ensino médio presencial em comunidades tradicionais.
As lideranças indígenas declararam que permanecerão no prédio até que suas demandas sejam atendidas.
Fonte: MPF