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      Dietas de restrição calórica têm sido associadas a vários benefÃcios para a saúde, mas seus efeitos sobre a pele ainda não haviam sido demonstrados. Uma pesquisa feita na Universidade de São Paulo (USP) verificou que, em camundongos, o controle de calorias ajuda os animais a viver mais, porém, reduz as reservas de gordura (tecido adiposo) que mantêm o corpo aquecido. Para compensar esse efeito da dieta, observaram os pesquisadores, o tecido cutâneo dos roedores estimulou o crescimento de pelos e aumentou o fluxo sanguÃneo para aquecer a pele.
        Ao mesmo tempo, foram observadas alterações no metabolismo celular. Os animais revelaram uma resposta adaptativa para permanecer aquecidos – e vivos – em condições alimentares limitadas.
O trabalho foi conduzido durante o pós-doutoramento de Maria Fernanda Forni no Instituto de QuÃmica da USP – com Bolsa da Fapesp e orientação de Alicia Kowaltowski. Foi realizado no âmbito do Projeto Temático “Bioenergética, transporte iônico, balanço redox e metabolismo de DNA em mitocôndrias”, coordenado por Kowaltowski.
Resultados do estudo foram publicados em setembro na revista Cell Reports. “As mudanças na pelagem e na pele foram bastante perceptÃveis. São interessantes porque se mostraram após apenas alguns meses, quando os animais ainda não são velhosâ€, disse Kowaltowski.
A pesquisa foi feita com dois grupos de camundongos ao longo de seis meses. Em um dos grupos, os animais puderam se alimentar como, quando e quanto queriam. Ficaram obesos. O segundo grupo foi submetido a uma dieta na qual se podia comer apenas 60% das calorias consumidas em média pelo outro grupo.
Após seis meses, os animais submetidos à restrição calórica apresentavam massa corporal 40% menor que a dos demais (não perderam peso, apenas não engordaram como os que comeram livremente). Como diminuiu a gordura que ajuda a deixar os corpos aquecidos, a resposta adaptativa da pele dos roedores foi estimular o crescimento de pelos. Após seis meses, os animais passaram a exibir pelagens mais uniformes, mais espessas e com pelos mais longos.
“O pelo tem propriedades que isolam melhor o calor. Achamos que essa é uma adaptação presente nos mamÃferos. Aqueles que comem menos têm menos gordura e, portanto, precisam de mais pelos para isolar o calorâ€, disse Kowaltowski.
A vascularização da pele também se alterou. Comparado com os animais obesos, os camundongos com restrição calórica apresentaram três vezes mais vasos sanguÃneos na pele.
Essa alteração aumentou a irrigação sanguÃnea das células cutâneas. Ao mesmo tempo, essas células exibiram diferenças no metabolismo.
Por outro lado, nos roedores obesos, o que se constatou foi o aparecimento de sinais de envelhecimento precoce da pele. “A mudança na vasoconstrição auxilia os camundongos magros a conservar calor. Ao mesmo tempo, a pele se manteve jovemâ€, disse Kowaltowski.
Uma segunda etapa da pesquisa consistiu na raspagem de trechos na pelagem dos dois grupos, de modo a confirmar se o pelo extra estaria ajudando a aquecer os animais com restrição calórica. “Raspamos o pelo dos camundongos e verificamos a evolução deles ao longo de um mêsâ€, disse Kowaltowski.
Com base em aferições de perda de calor corpóreo, foi possÃvel atestar que as pelagens mais espessas ajudaram a isolar o calor.
“Os camundongos em restrição calórica perderam massa muscular e se tornaram mais letárgicos. Trata-se de uma mudança no metabolismo que foi resultado direto da perda de calor corporal para o meio ambiente. Eles não conseguem viver bem sem pelosâ€, disse.
Por fim, tingiu-se o pelo dos animais com um corante azul para verificar se haveria diferença na quantidade de perda de pelos entre os camundongos em dieta e os obesos. O que se constatou foi que, nos animais em dieta, a perda de pelagem foi menor e o pelo se manteve espesso. “Eles perderam menos pelos e o pelo permaneceu por mais tempo, o que pode ser uma adaptação para evitar gasto de energia com o crescimento de pelosâ€, disse Kowaltowski.
“Essas descobertas são especialmente significativas, uma vez que revelam não apenas um efeito marcante da restrição calórica sobre a pele, mas também um mecanismo adaptativo para lidar com o isolamento reduzido derivado de alterações na pele sob condições de redução da ingestão calóricaâ€, disse.
Proteção para o fÃgado
Em um outro trabalho, publicado na revista Free Radical Biology and Medicine, o grupo de Kowaltowski mostrou que a adoção de uma dieta restrita em calorias protegeu o fÃgado de camundongos de danos causados pela interrupção temporária do fluxo sanguÃneo para o órgão.
“Quando comparamos os animais que comiam à vontade com os submetidos a uma dieta com restrição calórica, a diferença foi enorme. Enquanto no primeiro grupo cerca de 25% do fÃgado ficou comprometido, no segundo, o Ãndice foi de apenas 1%â€, disse a pesquisadora.
O modelo adotado no experimento – conhecido como isquemia e reperfusão – consiste em interromper cerca de 70% do fluxo sanguÃneo para o fÃgado durante 40 minutos, simulando um infarto. Dados da literatura cientÃfica indicam que esse tipo de procedimento induz um aumento patológico de cálcio no tecido, o que causa uma pane no funcionamento das mitocôndrias (organelas responsáveis pela produção da energia celular) e leva parte das células hepáticas à morte.
“O cálcio é importante para regular o metabolismo da mitocôndria e aumentar a produção de ATP [adenosina trifosfato, molécula que armazena energia]. Porém, em excesso, faz com que a organela pare de trabalhar adequadamente. Nossa hipótese, portanto, era de que o benefÃcio observado com a dieta estaria relacionado com um aumento na capacidade das mitocôndrias de captar cálcio do meio intracelular sem deixar de produzir energiaâ€, explicou Sergio Menezes-Filho, pesquisador do IQ-USP e primeiro autor do artigo.
Ensaios in vitro foram feitos para confirmar a teoria e compreender melhor os mecanismos envolvidos. Para isso, os pesquisadores isolaram mitocôndrias dos dois grupos de animais incluÃdos no estudo: um liberado para comer à vontade (controle) e outro submetido à restrição calórica (60% das calorias do controle).
As mitocôndrias foram colocadas em um meio de incubação com uma sonda fluorescente que brilhava à medida que a concentração de cálcio aumentava.
“Acrescentávamos uma pequena quantidade do mineral no meio e a fluorescência aumentava. À medida que a mitocôndria captava o cálcio, o brilho diminuÃa. Então acrescentávamos mais um pouco. Quando a organela atingia sua capacidade máxima de captação, o mineral começava a voltar para o meio de incubação e a fluorescência aumentava mesmo sem novas adiçõesâ€, explicou Menezes-Filho.
Por meio desse experimento, o grupo observou que as mitocôndrias dos animais submetidos à restrição calórica conseguiam captar cerca de 70% mais cálcio que as do grupo controle – sem que seu funcionamento ficasse comprometido.
Com auxÃlio de uma técnica conhecida como espectrometria de massas, o grupo observou que no interior das organelas extraÃdas de animais submetidos à dieta havia mais moléculas de ATP do que nas do grupo controle. Essa parte do estudo contou com a colaboração da professora do IQ-USP Marisa Medeiros.
“Não sabemos ainda o que faz a mitocôndria do animal que comeu à vontade ter menos ATP, mas certamente essa diferença está relacionada à capacidade de captação de cálcio. Quando igualávamos artificialmente o nÃvel de ATP nos dois grupos – seja adicionando a molécula na mitocôndria controle ou reduzindo na do grupo dieta – a capacidade de captação de cálcio também se igualavaâ€, contou Kowaltowski.
BenefÃcios múltiplos
Os dois artigos recentemente publicados integram uma série de estudos coordenados por Kowaltowski no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fapesp. O objetivo é investigar o efeito da restrição calórica sobre diferentes tecidos.
Dizer para as pessoas simplesmente comerem menos não está funcionando. A obesidade se tornou uma epidemia mundial. Temos tentado entender como a restrição calórica age no organismo e quais são as moléculas envolvidas, para encontrar alvos que permitam prevenir ou tratar doenças relacionadas ao ganho de peso e à idadeâ€, disse Kowaltowski.
Os experimentos realizados até o momento mostraram que a dieta em animais de laboratório causa efeitos muito especÃficos nos diferentes órgãos. No pâncreas, por exemplo, torna as células produtoras de insulina capazes de responder melhor ao aumento na taxa de glicose do sangue (leia mais em http://agencia.fapesp.br/25505).
Já no cérebro, foi observado um benefÃcio também relacionado à capacidade das mitocôndrias em captar cálcio – o que poderia evitar a morte de neurônios associada a doenças como Alzheimer, Parkinson, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC), entre outras (leia mais em http://agencia.fapesp.br/23995).
Participaram desses estudos Ignacio Amigo, do IQ-USP, e Fernanda Menezes Cerqueira, atualmente na Ben-Gurion University of the Negev, em Israel.
Nos trabalhos feitos até o momento, avaliamos o efeito da restrição calórica em situações patológicas agudas. Mas acreditamos que a dieta também tenha um efeito benéfico, porém mais sutil, em condições fisiológicas. Ajudando a regular o metabolismo do dia a dia. É isso que pretendemos compreender melhor agoraâ€, disse Kowaltowski.Â
Agência Fapesp






