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           Há uma incômoda contagem regressiva no sistema penitenciário paulista: dentro de aproximadamente três anos, o mais temido criminoso do paÃs, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, lÃder máximo do Primeiro Comando da Capital (PCC), completa 30 anos de prisão e, em tese, pode ganhar a liberdade.
                “O Brasil não tem pena de morte ou prisão perpétua. É cláusula pétrea da Constituição. E está na Lei de Execuções Penais que o tempo máximo de prisão é de 30 anosâ€, afirma o juiz aposentado e ex-secretário nacional Anti-Drogas, Walter Fanganiello Maierovitch.
           “Esse não é o caso do Marcola. Ele é lúcido (não cabe medida de segurança) e há quase 30 anos vem comandando o crime da cadeia. Dentro ou fora, dá na mesmaâ€, afirma Maierovitch. Ex-juiz de execuções penais, ele acha que o governo e o judiciário paulista estarão num dilema kafkiano, já que os advogados de Marcola terão todo o amparo para pleitear a extinção da pena.
          “Não conheço o caso, mas a lei deve ser observada para todos. Não há mecanismo legal para impedir a liberdade de quem quer que seja. Pode ser o Marcola ou um ladrão de galinhasâ€, diz, na mesma linha, o jurista Luiz Flávio D’Urso, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
Polêmica à vista
            “O caso vai, sim, gerar uma grande polêmicaâ€, admite o promotor Everton Zanella, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o órgão que apresentou, no final do ano passado, o mais completo raio-X do PCC e de seu lÃder máximo.
           A controvérsia se estabelecerá em torno de uma questão central: o tempo de condenação num novo processo ampliaria a pena para mais 30 anos ou não?
          Marcola está condenado atualmente a 232 anos, 11 meses e 4 dias, pena que só se extinguiria no dia 23 de março de 2221, mas que pela Constituição e pela Lei de Execuções Penais cessa daqui a três anos.
         O problema é que ele responde a outros processos e pode ser condenado a novas penas antes e depois de completados os 30 anos. O Ministério Público acha que o tempo de cada nova condenação vai estendendo o limite, sempre para 30 anos, independentemente do tempo que já tenha cumprido.
         “A cúpula do PCC (Marcola e mais sete) está condenada a mais de 200 anos de prisão. Cada nova condenação é somada e volta a elevar o tempo mÃnimo para 30 anosâ€, sustenta Zanella. O Ministério Público não admite a hipótese de ver Marcola nas ruas porque sabe que, se preso ele fez o que faz, solto representaria um risco ainda maior.
De menor infrator a lÃder de facção
          Aos 46 anos de idade, Marcola passou mais tempo atrás das grades do que em liberdade. Tornou-se infrator adolescente, mas foi no caos penitenciário que se “formou†como criminoso respeitado no sistema e temido pelos órgãos estatais. Organizou o PCC e, desde 2006, ao afastar outros lÃderes, assumiu o posto de comandante da organização que hoje se esparramou pelo paÃs e paÃses fronteiriços, como Paraguai e BolÃvia.
            Seu discurso tem várias facetas: rebeldia contra a opressão estatal, a união interna para controlar as cadeias e uma forte estrutura externa para a execução de crimes contra o patrimônio nas ruas. Solidificou seu prestÃgio e liderança à frente da facção designando seus “homens de confiança†para compor com ele, o primeiro escalão da organização criminosa. São sete homens, todos recolhidos na Penitenciária II, de Presidente Venceslau.
            A galinha dos ovos de ouro do PCC é o tráfico de cocaÃna que, do atacado ao varejo, é comandado em estilo semelhante aos tradicionais cartéis. Maierovitch acha que a organização, com controle social e territorial, tem uma estrutura pré-mafiosa e seu lÃder, ainda que esteja preso (o que torna o cenário surreal e insólito quando se constata a fragilidade do Estado) tem um comportamento parecido com o de célebres dirigentes de cartéis da droga, como o lendário colombiano Pablo Escobar.
Garantidor de paz
        Nas poucas ocasiões em que foi flagrado ao telefone, Marcola aconselha um interlocutor a não procurá-lo, mas deixa claros sinais da liderança: “… Rapaz, eu tô com 50 homicÃdios e sumariando, se liga… Acabou, mataram eu em vida, mas deixa eu te falar, o problema é eu levar problema pra você e eu acho que eu levo… Não tem sentido a gente ficar se expondo”…
           O comparsa então, massageia o ego de Marcola: “sabia que esses caras (estado) tem que te agradecer, porque você (Marcola) deixou a maior paz aÃ, já pensou se tivesse crack, esses negócios na cadeia”.
              Marcola então afirma que ajudou a derrubar até os Ãndices de homicÃdios em Sã Paulo: “ô irmão, sabe o pior que é? É que há dez anos todo mundo matava todo mundo por nada… Hoje pra matar alguém é a maior burocracia (estatuto do PCC determinou mudanças nas condutas dos preso), então quer dizer, os homicÃdios caÃram não sei quantos por cento, aà eu vejo o governador chegar lá e falar que foi ele”.
           “As investigações demonstram que o PCC se articulou de uma forma assustadora. Eles estão muito fortes. O Estado jamais conseguirá controlar quem está nas ruas, mas tem de tomar a frente para controlar as prisõesâ€, diz Zanella. Estima-se que mais de 1.800 criminosos soltos trabalhem pelo PCC na periferia de São Paulo como se fossem militantes de uma causa. Nas cadeias, paulista, 90% delas controladas pela organização, seus filiados “de carteirinha†somam quase 6 mil.
            Só em rifas, o lucro mensal gira em torno de R$ 1,2 milhão, dinheiro canalizado para a compra de drogas, o grande negócio do PCC, e auxÃlio a famÃliares de presos.Â
              O balanço sobre as apreensões da PolÃcia Federal no ano passado mostra que das 35 toneladas, mais de 11 ocorreram em São Paulo e, deste volume, algo em torno de 80% pertenciam ao PCC. É como se a organização tivesse perdido investimentos de cerca R$ 80 milhões, um valor relativamente pequeno se comparado com o máximo apreendido pelas polÃcias no mundo inteiro, algo entre 3% a 5% do volume traficado, segundo Mairetovitch.
         No ano passado a PolÃcia Federal apreendeu cerca de R$ 81 milhões em bens (dinheiro vivo, imóveis, automóveis, etc.) que estavam em poder das quadrilhas. Estima-se que boa parte estava nas mãos de integrantes do PCC. Mas há uma incalculável fortuna não localizada e que provavelmente foi camuflada. Nenhum desses valores foi vinculado a Marcola.
              O Ministério Público não tem dúvidas de que parte desse dinheiro faça parte da reserva estratégica de caixa para custear algum plano espetacular.
               Ao longo de centenas de páginas com a transcrição dos grampos que captaram as conversas da cúpula do PCC, há dezenas de referências cifradas sobre planos de fuga, que os criminosos tratam como “caminhada do cachorro quenteâ€. Em todas as conversas a palavra final é frequentemente atribuÃda a Marcola.
               Num trecho, um integrante do grupo, preocupado com o grampo e percebendo que a polÃcia estava chegando muito rápido à s quadrilhas que agiam nas ruas, diz que Marcola mandava organizar “um time de administração†para gerenciar os negócios, sem depender das ordens emanadas das prisões. “A ordem é bem direta, tem que fazer a mudançaâ€, escreve o Ministério Público.
Caos penitenciário
                 Os especialistas acham que o crescimento do PCC reflete o caos penitenciário, cujo combate só surtiria efeito através de uma ação nacional articulada. “Esse modelo está falido, não apenas no Maranhão, mas no paÃs inteiroâ€, diz o advogado Luiz Flávio D’Urso.
                    Para Maierovitch, trata-se de uma questão de competência profissional, até agora não demonstrada pelo governo paulista, que preferiu usar a escuta telefônica como meio de investigação em vez de bloquear a entrada de telefones celulares nos presÃdios. Somente daqui a uma semana os presÃdios paulistas terão os sinais para celular interrompidos, num programa de instalação de equipamentos que começará por Presidente Venceslau.
             O promotor Everton Zanella diz que o inquérito concluÃdo pelo Ministério Público paulista é um alerta para se entender a estrutura do crime organizado nos presÃdios, um fenômeno brasileiro, segundo ele, e adotar um plano de combate envolvendo as instituições nacionais. No inquérito há indicativos de que a quadrilha pretende agir durante a Copa do Mundo.
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