sexta-feira, 22/11/2024
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Desde quando os Estados Unidos e a OTAN patrocinam o terrorismo?

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Prensa Latina – [Camila Carduz] Semear a divisão e o ódio, as disputas religiosas, linguísticas, culturais e nacionais, e o racismo em todas suas variações, é uma muito velha e efetiva receita para dominar e explorar os povos. É a forma de arruiná-los, debilitá-los e dividí-los para avassalá-los, escravizá-los ou apagá-los do mapa em benefício dos interesses dos colonizadores e imperialistas.


Essa política foi aplicada durante a Guerra Fria contra a União Soviética (URSS), China e demais países socialistas, e não desapareceu com o queda da URSS e do campo socialista europeu.

Na realidade, a guerra ideológica e as práticas subversivas dos tempos da Guerra Fria foram adaptadas há mais de quatro décadas aos objetivos hegemônicos que o imperialismo dos Estados Unidos (EUA) e seus aliados da OTAN estavam incubando, ao capitalismo que hoje em dia chamamos neoliberalismo, e desde então afetam todos os países e regiões do mundo que resistem à hegemonia imperial.

É nesse contexto que devemos situar o terrorismo, seja por fanatismo religioso ou ideologia neonazista, e comprovar que tem servido e serve objetivamente a gerar a destruição e o caos que o império precisa para sua expansão, e isto é assim quando assassina inocentes no Iraque, Síria, Líbia, Paquistão ou Iêmen, ou quando se volta contra seus patrocinadoress políticos nos EUA, em Londres ou Paris.

O terrorismo sempre servirá aos objetivos políticos do império, porque o simplismo da explicação, a exagerada midiatização e a repercussão global desses atos abomináveis nos países ocidentais, como os recentes atentados na França, terminam quase sempre justificando políticas sociais antidemocráticas e repressivas, como se viu nos EUA com a “Lei Patriota” (PatriotAct), cujo conteúdo provavelmente será incorporado nos projetos que já estão sendo contemplados na União Europeia.

Quando digo isto não estou assumindo uma teoria conspirativa, senão que resumindo uma de minhas primeiras experiências jornalísticas importantes no início dos anos 70, e sobre a qual só escrevi uma vez, mas que desde então tem sido um importante guia para meu entendimento e análise da propaganda e dos objetivos políticos do imperialismo.

E o farei apoiado na memória, porque os arquivos de papel me abandonaram faz tempo e não tenho os meios para ir às hemerotecas dos jornais Pravda em Moscou ou Granma em Havana, nos quais foi publicado integralmente a comunicação original.

Uma discreta reunião em Montreal do aparelho de propaganda da OTAN.

Em 1972, quando [eu] começava a colaborar com a Prensa Latina e escrevia algumas matérias para meios [de comunicação] mexicanos – El Dia e Excélsior-, um colega canadense me avisou que uma muito discreta reunião dos responsáveis pela política de informação do sistema de rádios de onda curta da OTAN (Rádio Europa Livre/Rádio Libertad -REL/RL-, La Voz de las Américas -VOA-, etcétera) iria acontecer em um hotel de Montreal.

Nessa reunião seria apresentado “um novo plano” de luta ideológica contra a URSS e demais países socialistas, mas agora é possível afirmar que o dito e planejado nessa reunião terminou ampliando à escala global e a todos os terrenos possíveis a luta ideológica característica do confronto bipolar da Guerra Fria.

Fui ao local da reunião sem muita certeza de que me inscreveriam como jornalista, mas após uma negativa, e para minha grande surpresa, me aceitaram porque eu tinha uma credencial de “correspondente” do jornal mexicano Excélsior. A tal reunião foi na realidade uma longa sucessão de apresentações dos responsáveis pela linha informativa e editorial dessas rádios, em particular da VOA e da REL/RL, que (usando uma linguagem atual) formularam como construir a narrativa e a credibilidade da propaganda contra a URSS e o comunismo, mas na realidade também contra todos os países que nessa época reclamavam uma real independência, uma nova ordem econômica mundial, o fim do racismo e da discriminação racial em todas suas formas. Que assumiam posições antiimperialistas e eram vistos como aliados da URSS, em poucas palavras.

Como utilizar as religiões e os nacionalismos como armas?

A nova ofensiva ideológica do império, e o conteúdo de sua propaganda, segundo os ideólogos do aparelho propagandístico da OTAN nessa reunião de Montreal, devia atingir e se enraizar nos setores da população à qual ia ser dirigida: os muçulmanos e os nacionalistas radicais em certas regiões da URSS e outros países socialistas; os sionistas judeus (os refúsenik) russos que queriam emigrar para Israel e os católicos conservadores nos países bálticos, na Polônia e outros mais.

O que na realidade se buscava nessas sociedades socialistas secularizadas era alimentar – para depois financiar e organizar – o “renascimento” das crenças e práticas religiosas radicais que entraram em franca contradição com a sociedade e o poder político, e criar reivindicações ou contradições nas sociedades e regiões com nacionalismos suscetíveis de separatismo, o que pressupunha criar situações de confrontação civil, policial e até militar.

“Choque de civilizações” e neoliberalismo.

A semente do “choque de civilizações” plantada por essa propaganda da OTAN e adotada sem reservas por cada vez mais concentrados meios de imprensa dos países capitalistas, justificou a criação da Al-Qaeda para lutar contra os soviéticos e afegãos progressistas no Afeganistão, e com a queda da URSS e do campo socialista europeu foi usada extensamente nos Balcãs para a partição da (ex) Iugoslávia, e em seguida para fomentar os ataques terroristas e o conflito na Chechênia, no Daguestão e outras regiões da ex-URSS, incluindo recentemente o caso da Ucrânia.

Estado oficialmente ateu, a URSS era na realidade um Estado socialista multinacional e multicultural onde conviviam muitas nacionalidades e religiões, desde a ortodoxa cristã até a muçulmana, passando pela judia e a católica, entre outras mais. Esta era a força aparente do internacionalismo proletário, como diziam em Moscou, mas também sua principal debilidade aos olhos da direção imperialista.

No entanto, há que recordar que o confronto criado pelas ambições imperialistas dos EUA não se resumia à Guerra Fria entre Moscou e Washington, e que no Oriente Médio e na Ásia predominavam – no início dos anos 70 – e como consequência da descolonização e da consolidação do movimento dos Países Não-Alinhados, Estados seculares nos quais conviviam, sob regimes políticos diferentes, as mais diversas culturas, nacionalidades e religiões.

Em outras palavras, vivia-se um momento de auge na luta para eliminar todas as formas de discriminação racial, incluindo o Apartheid sul-africano e o sionismo, o que se especificou na votação da Resolução 3379 da Assembleia Geral da ONU em novembro de 1975, anulada em 16 de dezembro de 1991, oito dias após a dissolução da URSS, pela Resolução 4866 da ONU.

E na conjuntura histórica em que os países Não-Alinhados com o apoio do campo socialista exigiram a criação de uma “Nova Ordem Econômica Mundial” que pusesse fim aos desiguais “termos de intercâmbio” e poder, assim, aceder ao desenvolvimento sócio-econômico, e batalhando na UNESCO para estabelecer uma “Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação”, iniciativas que o imperialismo e seus aliados conseguiram derrotar.

Mas agora, à distância e com documentos na mão, podemos entender que esse foi também o momento em que os EUA e seus aliados na Europa e Japão lançam a partir dos círculos de poder a argumentação para justificar econômica e politicamente o desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social (a intervenção do Estado na economia para garantir certo desenvolvimento sócio-econômico), com o objetivo (finalmente realizado nas últimas duas décadas) de pôr o Estado ao serviço exclusivo dos capitalistas e poder retornar assim ao liberalismo do século 19 e as velhas práticas imperialistas e colonialistas.

A partir de certa perspectiva foi o momento propício para que o imperialismo e seus aliados da OTAN ampliassem o contexto e a cobertura geográfica da Guerra Fria, assegurando a continuidade ao passo da confrontação entre um sistema capitalista-imperialista e um sistema socialista, a preparação da expansão imperialista do sistema neoliberal que já estava sendo “cozido”.

Não é pura coincidência que foi em 1973 que David Rockefeller, com a assistência de ZbigniewBrzezinsky, assessor de política exterior do presidente democrata James Carter, cria a Comissão Trilateral, que serviu para veicular aos mais altos níveis a nova ofensiva ideológica do império e da OTAN, nem também não [é coincidência] que Samuel Huntington, “intelectual orgânico” do imperialismo e autor do infame livro “Choque de civilizações”, estivesse já no cenário.

Os documentos da Comissão Trilateral, em particular “The Crise of Democracy”, de 1975, deveriam ser lidos à luz dos fatos atuais e recentes, para comprovar fora de toda interpretação conspirativa que foi então e bastante publicamente que se estabeleceram as linhas da ofensiva política e ideológica do imperialismo para estabelecer a hegemonia em sua fase neoliberal, incluindo a liquidação da democracia liberal com algum conteúdo real nas sociedades dos países do campo ocidental, como estamos vendo.

Tudo isto também explica a continuidade, desde aquele momento e até agora, da ofensiva ideológica e das políticas destinadas a minar as sociedades e destruir os Estados da URSS e do resto dos países socialistas, e agora da Rússia, China e outros países em desenvolvimento ou emergentes que podem constituir a principal barreira à hegemonia neoliberal.

Os fanáticos e extremistas convertidos em “lutadores pela liberdade”.

E foi em 1979 o primeiro caso documentado no qual os EUA e seus aliados criaram, treinaram e converteram em “lutadores pela liberdade” os extremistas islâmicos, para lutar no Afeganistão contra os soviéticos e os afegãos progressistas, não passou muito tempo antes de que os EUA efetuassem operações ilegais com narcotraficantes na América latina para armar e financiar os “combatentes pela liberdade” que lutavam contra os sandinistas na Nicarágua, política que levou à criação dos “cartéis” do narcotráfico e à expansão da criminalidade, da corrupção e da violência na região.

Políticas similares foram seguidas desde então em dezenas de países da Ásia, do Oriente Médio e da África, muitas vezes com a participação e financiamento da Arábia Saudita, e o apoio de Israel (como no caso Irã-Contras), o que confirma que o diabólico plano de “dividir para reinar”, de destruir os Estados e as sociedades que defendiam sua soberania nacional, foi aplicado de maneira sistemática tanto pelo aparelho de propaganda dos EUA e da OTAN como por suas agências de subversão e espionagem.

Nada novo ou surpreendente se recordarmos que desde finais da segunda Guerra Mundial, através da “Operação Gladio”, os EUA e a OTAN conservaram os contatos e relações com as forças ultranacionalistas que apoiaram ou participaram nos diversos regimes nazista-fascistas europeus, e que agora servem nos países bálticos e na Ucrânia – onde controlam o aparelho de segurança do Estado -, para a política de confronto com a Rússia.

André Vltchek enfatiza que “para o império, a existência e popularidade de dirigentes progressistas, marxistas, muçulmanos, governando o Oriente Médio ou uma Indonésia rica em recursos, era algo claramente inaceitável. Se se acostumassem a utilizar esses recursos naturais para melhorar as vidas de seus povos, o que ficaria então para o império e suas empresas? Isso tinha que ser freado por todos os meios. O islã tinha que ser dividido, infiltrado com quadros radicais e anticomunistas, e com aqueles que não se interessam minimamente com o bem-estar de seu próprio povo”.

Victoria Nuland, subsecretária de Estado de Washington, disse publicamente que cinco bilhões de dólares haviam sido “investidos” para a “mudança de regime” na Ucrânia, e sem dúvida foi bem mais cara a partição do Estado multinacional da Iugoslávia. E o que dizer do financiamento ou apoio dos países da OTAN aos extremistas e terroristas islâmicos na Chechênia e Daguestão, que passeavam pela Europa como “combatentes da liberdade”? Ou dos extremistas islâmicos recebidos pelas autoridades políticas europeias e estadunidenses, financiados e treinados por esses governos para derrubar os governos na Líbia e Síria, com muitos exemplos mais na África que ficarão no relatório?

“O fundamentalismo é vencido com as armas”.

Em 1997 o grande intelectual Edward Said deu uma palestra sobre o “choque de civilizações”, cuja leitura ou releitura é aconselhada, e da qual me permito reproduzir um longo parágrafo: “Em vista da deprimente realidade que nos rodeia e da presença de conflitos interculturais e interétnicos, parece-me irresponsável sugerir que nós, na Europa e nos EUA, devamos conservar nossa civilização, o que Huntington chama de Ocidente, mantendo o resto à distância e aumentando as desavenças entre os povos para prolongar nosso domínio. Isto é, de fato, o que Huntington sustenta, e é bastante fácil entender por que este ensaio foi publicado pela ForeignAffairs e por que tantos responsáveis políticos se sentiram atraídos por ele, permitindo aos EUA ampliarem o pensamento da Guerra Fria a uma época diferente e a um novo público. Bem mais produtiva e útil é uma nova mentalidade ou consciência global que vê os perigos que enfrentamos desde o ponto de vista da

raça humana em seu conjunto. Estes perigos incluem o empobrecimento da maioria da população do planeta, o nascimento de virulentos sentimentos tribais, nacionalistas, étnicos e religiosos na Bósnia, Ruanda, Líbano, Chechênia e outros lugares, o descenso da alfabetização e o aparecimento de um novo analfabetismo baseado nos meios de comunicação eletrônicos, a televisão e as novas redes da informação global, ou a fragmentação e a ameaça de desaparecimento dos grandes relatos sobre a libertação e a tolerância. Nosso bem mais precioso para fazer frente a esta terrível transformação da história não é o aparecimento de um sentimento de confronto, senão de comunidade, de entendimento, de solidariedade e de esperança, o que representa todo o contrário do que promove Huntington”.

E encerremos este artigo com uma recente e importante reflexão do filósofo Enrique Dussel: “os fundamentalismos (cristão, como o de G. Bush; islâmico ou sionista) são um retorno de um deus (ou um politeísmo como diria M. Weber) que justifica e absolutiza uma política, uma economia, uma cultura, uma raça, um gênero, etcétera, e usa as armas ao invés de argumentos razoáveis, compreensíveis para o outro interlocutor (ninguém como o fundamentalismo estadunidense utiliza as armas ao invés de argumentos: pretende impor a democracia com guerras em vez de argumentar a partir da tradição do outro, por exemplo, com os crentes do Islã a partir do Alcorão). O fundamentalismo não é vencido com as armas (e não esquecer que foi a CIA quem ensinou o fundamentalismo islâmico no Afeganistão a usar as armas contra a União Soviética, e agora colhemos as consequências sobre cuja origem ninguém fala), senão com argumentos razoáveis e com uma práxis honesta (como ensinava Bartolomé de las Casas ao respeito da conquista). Mas isto último não entra no horizonte dos interesses do império. Utiliza-se a violência irracional islamita para justificar e aumentar a violência irracional do neoliberalismo político-econômico. A esquerda honesta, pelo contrário, deve começar uma crítica da teologia como momento de uma crítica da política liberal e da economia capitalista, tal como a praticou Karl Marx”.


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