Imagina não ter sapatos para ir à escola e ganhar uma enxada de presente do pai para trabalhar aos 8 anos de idade! Essa é parte triste da historia da dona Naná, que agora, aos 85 anos, deu uma virada e se tornou a aluna mais idosa do Rio de Janeiro a entrar no curso de formação de professores na rede pública de ensino.
A dona Ignácia de Carvalho do Carmo sempre quis ser professora e agora está a alguns passos de realizar seu sonho. Moradora de Itaguaí, na Ilha da Madeira, ela está no 1º ano do curso de formação de professores do Colégio Estadual Clodomiro Vasconcelos. Dona Naná conta que é filha de lavradores e que só frequentou escola durante um ano, na infância.
E só depois de idosa, quando ficou viúva, ela conseguiu forças para retomar o sonho da vida dela: estudar! “A vida me disse muitos nãos. Muita coisa que eu queria realizar não consegui. Ter filhos foi uma delas. Mas realizei o sonho de voltar a estudar para ser professora”, comemorou a idosa.
Não tinha sapato
Ela se ressente até hoje de um fato que acontece com muitas crianças brasileiras até hoje. Quando era pequena, dona Nana não tinha uniforme para ir à escola. A família era muito pobre e isso fazia a menina faltar às aulas.
“Não queria fazer feio né? Minha família não tinha condições (de comprar uniforme), então o jeito era faltar a aula às quintas. Eu usava um sapato com solado de cordas. Como iria me apresentar sem os sapatos?”, questionou.
Hoje ela se orgulha do uniforme novo que comprou para estudar e conta que deixa tudo pronto na véspera, para fazer bonito na escola.
“Posso dizer que foi a maior alegria da minha vida o dia que vesti esse uniforme, minha consagração. Comprei logo dois para que eles fiquem sempre limpinhos. Não gosto de ver as meninas que não cuidam de seus uniformes. O meu está sempre lindo”, disse orgulhosa.
Ganhou enxada de presente
Terceira filha de uma família de 11 irmãos, Ignácia foi a única que não prosseguiu nos estudos. Aos oito anos ganhou de presente do pai uma enxada e foi trabalhar no campo. Ela gostava de mexer com a terra, mas sonhava mesmo era estar em uma sala de aula, o que só aconteceu em 1948, aos 11 anos de idade. No entanto, a alegria durou muito pouco. No final do ano letivo, o pai achou que a menina seria mais útil ajudando na lavoura. Aos 17 anos, veio o casamento, que durou 51 anos e oito meses, até o falecimento do companheiro, há 16 anos, aos 76.
Assim como pai, o marido dela também não incentivava o seu interesse pelos estudos e depois que ele morreu o desejo de estudar voltou com tudo.
Ela aproveitou a pandemia para estudar com as apostilas que a sobrinha pegava na escola para dona Nana estudar. A mesma sobrinha que a ajudou a se matricular no colégio.
Conquistou colegas e a diretoria
E com a saia abaixo do joelho, cabelos grisalhos e um sorrisão no rosto, dona Naná conquistou os colegas, que têm entre 14 e 17 anos de idade. Ela virou o xodó da escola.
“Ela é muito linda. Ela arruma o cabelinho todo para trás. Até nos dias frios ela vem toda arrumadinha, mesmo quando não dá para usar saia ela coloca calça do uniforme, sapatilha e vem impecável”, elogiou a colega de turma Maria Eduarda Espinheira, de 15 anos.
A diretora da escola, Wania do Santos Dumont, falou do respeito que todos têm pela aluna idosa.
“No início ficamos preocupadas dela não ser muito bem recebida pelas outras alunas. Mas não houve conflito de idade, ela aqui é respeitada demais e muito querida. Já sonhamos com a formatura da turma. Imagina, vai ser um espetáculo!”.
Sobre dar aulas aos 87 anos, quando estiver formada, dona Naná sabe que não vai ter pique para encarar uma turma de alunos, mas ela já se sente realizada por ter chegado até aqui nos estudos.