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CPMI investigará a responsabilidade dos militares nos atos terroristas

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A CPMI pode e deve apurar questões pontuais, como a função e utilidade do GSI, mas não pode se omitir diante do pano de fundo, do que realmente é urgente debater para o Brasil: a democracia é uma questão civil e não militar.

Pedro Pinto de Oliveira/pnbonline

A extrema-direita bolsonarista insistiu e o governo de esquerda cedeu aos fatos: os dois lados estarão frente a frente a partir da próxima quarta-feira (26.04) com a instalação pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para “apurar a responsabilidade pelos atos antidemocráticos e terroristas” na invasão das sedes dos Três Poderes. 

A chamada CPMI do Dia 8 de janeiro precisa colocar no centro do debate a participação torta dos militares na vida política do Brasil. A omissão do debate sobre a presença dos militares nas questões civis reduzirá o papel de deputados federais e senadores a artistas do circo mediático das suas redes sociais. Generais e outros oficiais de alta patente, da ativa e da reserva, precisam ser ouvidos para falar das suas responsabilidades pelos atos terroristas. 

As Forças Armadas foram colocadas como protagonistas decisivas no contexto das ameaças à democracia pelo “capitão” Jair Messias Bolsonaro nos quatro anos do seu governo de viés autoritário.

A extrema-direita vai usar a CPMI para montar a sua narrativa: acusar o PT infiltrado, com o apoio de militares do novo governo de esquerda, como responsável pela organização da destruição geral no dia 8 de janeiro. Aos governistas caberá a coragem de colocar o dedo na ferida da democracia brasileira: as Forças Armadas foram reduzidas por Bolsonaro a instrumento político da sua agenda golpista. Muitos oficiais em comando tiveram responsabilidade pelos atos antidemocráticos que começaram obviamente bem antes do dia 8 de janeiro, mais precisamente no dia seguinte à eleição do presidente Lula.  

O mito da superioridade militar foi evocado por Bolsonaro para justificar o aparelhamento do estado por milhares de militares em cargos em comissão na máquina pública. Em 2020, levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 6.157 militares do Exército, Aeronáutica e Marinha, da ativa e da reserva, em cargos e funções civis no governo federal. 

O militarismo foi usado por Bolsonaro no seu discurso, ao longo de todo o governo, no sentido de atribuir uma força pessoal extra que detinha contra os adversários. Ele usava a expressão “o meu Exército” como sinais de adesão e submissão das Forças Armadas, instituições de Estado, ao seu projeto político. O militarismo seria o caminho “natural” e inevitável para o país enfrentar e vencer as ameaças fabricadas pelo bolsonarismo em rede: o comunismo e a dissolução dos valores caros aos conservadores como a família e a religião.

Agência Brasilatos golpistas antidemocráticos.jpg

Atos golpistas: primeira investigação

– Por que os militares permitiram a instalação de acampamentos dos bolsonaristas nas portas dos quartéis? 

Estudo da pesquisadora Cirelene Maria da Silva Buta em 2008, uma monografia para o curso de especialização em Direito Militar da PUC/RS, aponta que o Exército brasileiro não poderia ter se omitido um dia sequer no policiamento do entorno dos seus quartéis, não permitindo a instalação dos acampamentos dos bolsonaristas. Pela lei, é tanto um direito quanto um dever das Forças Armadas manter a segurança no entorno dos quartéis. O descumprimento do dever constitucional foi uma demonstração de leniência e cumplicidade do Exército em relação aos radicais que pediam a volta da ditadura militar e agiam para organizar a tentativa de golpe. Os acampamentos nas portas dos quartéis serviram de base logística para os ataques terroristas do dia 8 de janeiro. A CPMI tem que discutir e apontar portanto os responsáveis nas Forças Armadas pelos acampamentos em áreas de segurança militar.

“Construir e propagar a imagem de competência e honestidade dos militares foi uma das formas dele [Bolsonaro] de esvaziar o poder civil”

Atos golpistas: segunda investigação

Qual a responsabilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro na instigação aos atos golpistas com seu discurso radical repetido ao longo de quatro anos que serviram de inspiração para seguidores civis e militares?

A presença dos militares no governo Bolsonaro atuando inclusive em cargos de natureza civil, sem a obrigatoriedade de passar para a reserva, foi um gesto político alargado ao máximo pelo ex-presidente, seja por meio de decretos ou mudanças no estatuto dos militares. O mito da superioridade moral foi utilizado politicamente na pressão, feita por Bolsonaro, por exemplo, para que as Forças Armadas atuasse como “fiscais e juízes” das eleições presidenciais de 2022. Construir e propagar a imagem de competência e honestidade dos militares foi uma das formas dele de esvaziar o poder civil.

O militarismo foi uma arma ideológica usada por Bolsonaro para tentar matar a democracia brasileira. A vida democrática continuará em risco se esta arma não for devidamente desmontada.

Ou seja, a CPMI pode e deve apurar questões pontuais, como a função e utilidade do tal Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a atuação do seu ministro no governo Lula e também durante o governo Bolsonaro, mas não pode se omitir diante do pano de fundo, do que realmente é urgente debater para o Brasil: a democracia é uma questão civil, aos militares cabe apenas o seu papel constitucional de defesa.