O governador Tarcisio de Freitas desistiu de remover a cracolândia para o bairro do Bom Retiro. Um recuo desses nada representa de dano ao plano de solução do problema, principalmente lembrando que ele já existe há pelo menos três décadas. A primeira apreensão de crack em São Paulo deu-se em 1986 e em 1991 a droga já infestava a área hoje ocupada pelo gueto narco. Ao longo desses anos todos, presenciamos tentativas de sucessivos governos pela solução, mas todas infrutíferas. Hoje, qualquer idéia de remoção levanta a oposição da população da área objetivada e, além disso, reação dos que lucram – tanto ìlegal quanto legalmente – com a exploração dos zumbis que se perderam para o vício e a rejeição social.
É um problema social e muititarefa. Precisa contar com o trabalho dos diferentes órgãos e forças da sociedade para dele podermos vislumbrar a possibilidade de solução. Erram os que pensam ser caso de repressão policial ou de ação isolada desse ou daquele setor público ou privado. Sem a formação de um bloco coeso de autoridades e instituições, dificilmente chegaremos a uma solução. Hoje verificamos o governador e o prefeito da capital se esforçando para falar a mesma linguagem e direcionar as forças do Estado e do Municipio para o objetivo. Também vemos o empenho do Poder Judiciário e outros segmentos pela solução de conflitos e compatibilização de interesses. Todos precisam considerar que só quem pode encaminhar o dependente de drogas é o médico especializado.
Por envolver pessoas marginalizadas, a cracolâdia é um poço de problemas e contradições. A prática já demonstrou que medidas de força pura não produzem efeitos porque a única coisa que causam eficientemente é a mudança do problema de um ponto para outro da cidade. É preciso a ação coordenada onde cada ente público ou social faça a sua parte, oportunizando a assistência aos que dela necessitam. As vítimas da cracolândia não devem ser reprimidas e nem perseguidas, mas socorridas. Levadas ao hospital de referência onde o médico a diagnostique e determine seu tratamento, seja ele ambulatorial ou internado.
Pensamos que, antes de repressão ou mudança para outros pontos, o freqüentador da cracolândia necessita de oportunidade de tratamento voluntário e – quando é o caso – de encaminhamento social e profissional. O mesmo trabalho também deve estar disponível aos que já perderam a condição de gerir a própria vida e – nesse caso – precisa receber a ajuda compulsória e, evidentemente, determinada pelo médico. Deixá-los onde estão, à mercê do tráfico e de todos os riscos, além de desumano, é a verdadeira tortura de incapaz. E tortura é crime…
O combate à pandemia da Covid-19 – onde o poder público montou hospitais de emergência para socorrer as vítimas, nos oferece o formato do que pode ser feito em relação aos drogados. Com uma estrutura desse gênero e porte em operação, as autoridades terão o meio de atender a essa clientela e, com ela encaminhada no ponto-de-vista da saúde, poderão agir nas tarefas suplementares de combate ao tráfico e a todos os problemas que envolvem aquela área sucateada da cidade. Em vez do governador, do prefeito ou do juiz de Direito, qualquer agente público deve ter o dever de encaminhar os narcodependentes para consulta médica e tratamento. Mas, para isso, é preciso termos o hospital de referência e, mais que isso, o numero de vagas suficiente para a demanda, que não &eac ute; pequena. É preciso demonstar a “indústria” que se criou no local e libertar os seus dependentes. Mas, para ter sucesso, as autoridades detentoras das diferentes áreas do poder precisam estar atentas e unidas para evitar que, no exercício de suas atribuições, umas atrapalhem a ação das outras. Sem união, continuaremos “enxugando gelo”. O problema exige menos vaidade e mais efetividade…
Lembrem-se todos. Não é só na conhecida cracolância que existem drogados. Eles estão por todos os lados do nosso País e todos têm o direito à chance de recuperação.
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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