
 http://g1.globo.com/fantastico/quadros/cade-o-dinheiro-que-estava-aqui  Â
          O Repórter Secreto do Fantástico entra em ação. Dessa vez, em Cuiabá, capital do Mato Grosso, ele investiga um esquema que movimentou pelo menos R$ 640 milhões para financiar todo tipo de corrupção.
No centro da investigação, um ex-governador, um ex-presidente de uma assembleia legislativa e um ex-super-secretário do estado que gastou R$ 1 bilhão em obras para a Copa do Mundo, como o VLT, VeÃculo Leve sobre Trilhos, mas que até hoje não estão prontas.
“Foi prometido pelo governo do estado para mim R$ 5 milhões para arena e R$ 5 milhões no VLTâ€, diz Éder Moraes.
Éder está falando sobre corrupção nas obras da Copa do Mundo em Cuiabá. Diante de promotores e acompanhado pelos advogados, ele diz que levaria ao todo uma propina de R$ 10 milhões nas obras da Arena Pantanal e do VLT, o VeÃculo Leve sobre Trilhos.
Quem é ele para valer tanto? Éder Moraes foi titular da Secretaria Extraordinária da Copa no Mato Grosso. Ele e mais o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Geraldo Riva, eleito pelo PSD, e o ex-governador Silval Barbosa, do PMDB, estão sendo investigados por um esquema que movimentou pelo menos R$ 640 milhões e, segundo o Ministério Público, financiou muita corrupção.
Por isso, o repórter Eduardo Faustini foi a Cuiabá para perguntar: Cadê o dinheiro que tava aqui?
Em maio de 2014, uma operação da PolÃcia Federal prende Éder Moraes e o então presidente da assembleia, José Riva. Na mesma operação, o então governador, Silval Barbosa, foi detido durante busca no apartamento dele. Tinha uma arma com registro vencido. Mas o foco da investigação era outro: uso de dinheiro público por debaixo do pano.
“Eram diversos esquemas. Todos passavam pelo filtro da lavagem e da tramitação dos recursos pelos bancos clandestinosâ€, diz o Ronaldo Queiroz, procurador da República do MT.Â
Ou seja, segundo a investigação, as maiores autoridades do estado usavam bancos piratas para pagar todo tipo de compromisso suspeito. Bancos sem autorização para funcionar e, portanto, longe da fiscalização do Banco Central.
“Envolvia desde dinheiro para financiamento de campanha, antecipação de recebimento de alguma obra pública, corrupção em geral. Estima-se que mais de meio bilhão de reais circulou nesse mercado financeiro paralelo, ilegal, clandestinoâ€, avalia Queiroz
O repórter Eduardo Faustini localizou um dos banqueiros piratas, um dos financiadores dessa dinheirama ilÃcita. É um comerciante que resolveu colaborar com a Justiça.
“Quando houve a operação, aà que espontaneamente eu procurei o Ministério. Eu tinha cometido alguns erros e queria reparar esses erros, pagar por esses errosâ€, diz Júnior Mendonça.
Fantástico: Que erros?
Júnior Mendonça: Minha participação se dava com realizações de alguns empréstimos. Eu era procurado pelo Legislativo, pelo senhor Riva; pelo Executivo, pelo senhor Éder, que representava o governo do estado de Mato Grosso.
Fantástico: Quanto o José Riva ficou devendo ao senhor?
Júnior Mendonça: R$ 5,721 milhões.
Segundo Júnior Mendonça, a nota promissória da dÃvida tem as assinaturas de José Riva e do deputado Mauro Savi, do PR, que era primeiro-secretário da assembleia quando Riva presidia a casa. Riva alega que esse dinheiro era um empréstimo pessoal. Júnior Mendonça diz que não: “Ele me disse que era para atender à s necessidades com o sistema, que seriam os deputadosâ€.
“Só das cinco ações penais ajuizadas pelo Ministério Público já tem aà mais de R$ 100 milhões de recursos públicosâ€, afirma o procurador da República.
José Riva tem, na Justiça, mais de 120 ações cÃveis e criminais, que fazem dele o polÃtico mais ficha-suja do Brasil.
“O senhor José Riva vem sendo processado já por desvio de recurso público há mais de 13 anosâ€, destaca o promotor de Justiça Gilberto Gomes.
R$ 140 milhões em serviços gráficos nunca realizados
Em uma cartilha oficial do governo do estado, não há espaço entre as palavras. “Tudo emendado, não há um espaço entre uma palavra e outra. Esse é um manual de redação que foi produzido pela Assembleia Legislativa supostamente. Ao longo de dois anos foram aplicados entre assembleia e estado de Mato Grosso mais de R$ 140 milhões em serviços gráficos, supostamenteâ€, mostra o promotor.Â
Por que supostamente? Quem conta é o dono de uma das gráficas. Ele denunciou o esquema ao Ministério Público.
“Esse material nunca era entregue. As gráficas tinham o objetivo de desviar dinheiro público. Junto com o presidente José Riva. Ficavam com 25% desse dinheiro e 75% retornavam para o presidente da Assembleia Legislativaâ€, detalha.
Várias gráficas entraram no esquema. Nenhum responsável por uma delas quis conversa com o Fantástico. Uma curiosidade: e se os R$ 140 milhões de dinheiro público tivessem de fato sido usados para imprimir as tais cartilhas?
“Dá para você enfileirar carretas e carretas de papel daqui a São Pauloâ€, conta a testemunha.
Então por que o Ministério Público recebeu publicações como aquela cheia de erros?
“Isso foi produzido à s pressas, alguns exemplares para atender à nossa requisiçãoâ€, diz o promotor.Â
“Rodava dois livros, três livros, só para justificar ao Tribunal de Contas e ao Ministério Públicoâ€, diz o dono de uma gráfica.
Éder Moraes deu cinco depoimentos ao Ministério Público
“Me procuravam, sempre, para extrair da minha, vamos dizer assim, da minha cabeça, as engenharias para se resolver várias situaçõesâ€, diz Éder Moraes.
Além de ter trabalhado nos preparativos da Copa, Éder foi secretário da Casa Civil e da Fazenda do estado do Mato Grosso. “Eu sempre desenvolvi essas engenhariasâ€, diz Éder.Â
Éder deu cinco depoimentos ao Ministério Público. Ele afirma que cumpria ordens do então governador Silval Barbosa para pagar dÃvidas com Júnior Mendonça, o financiador do esquema.
Éder Moraes: Peguei sacola, né? Peguei mochila com R$ 400 mil, R$ 500 mil. Eu sabia onde estavam as dÃvidas. Então, ‘ó, isso daà é para resolver lá com o Júnior’.
Promotor: Quem que falava isso que era para resolver com o Júnior?
Éder Moraes: O governador.
Éder insinua que, quando era secretário da Fazenda, o dinheiro ilegal que ele arrumava servia para comprar deputados da Assembleia Legislativa.
Éder Moraes: Havia uma carga de pressão violenta da Assembleia Legislativa sobre o governo, o que também demandava recursos financeiros – para se aprovar uma conta no final de ano, para se tramitar as coisas com velocidade.
Promotor: A pressão era para a secretaria levantar dinheiro e passar para Assembleia.
Éder Moreaes: Isso.
Éder afirma que recebeu oferta de propina. Ao todo, R$ 10 milhões por conta das obras da Copa. “Foi prometido pelo governo do estado para mim R$ 5 milhões da arena e R$ 5 milhões no VLTâ€, conta Éder Moraes.
Mas, no mesmo depoimento, ele diz que a propina acabou não sendo paga.
VLT já passou a casa do bilhão de reais, e até agora nada
Pois bem. O VLT, o VeÃculo Leve sobre Trilhos, que deveria estar pronto antes da Copa, foi divulgado com fanfarra. Um vÃdeo mostra o então presidente da assembleia José Riva e o então governador Silval Barbosa passeando de VLT em Portugal.
Em outro vÃdeo, Silval aparece inaugurando uma estação do VLT em Cuiabá. A única. Faltou construir mais 32 que tinham que ter ficado prontas, com duas linhas e um total de 22 quilômetros para Copa do Mundo.
“Não havia a menor possibilidade de dar viabilidade econômica para um sistema de VLTâ€, explica Luiz Miguel, professor do Departamento de Engenharia Civil da UFMT.
O projeto inicial para Copa não era de trens e, sim, ônibus. Muito mais barato. Ia sair por mais ou menos R$ 322 milhões. Segundo o Ministério Público, que está investigando a obra, a mudança no projeto foi feita às pressas e de forma criminosa.
O VLT já passou a casa do bilhão de reais, a cidade está com um rasgo aberto para os trilhos passarem, e até agora bulhufas.
Para continuar a obra, são necessários mais R$ 500 milhões. E quanto tempo para finalmente o VLT sair rodando? “Isso é obra que não se faz em menos de quatro anosâ€, afirma o professor.
Tem mais. Dois viadutos fazem parte do pacote Copa. “Esse viaduto foi inaugurado e logo em seguida, um mês depois, ele foi interditado por força de identificação de fissuras na estrutura. Não podem entrar dois ônibus, porque eles não cabem na curva. Então, funcionalmente, ele está errado. Foi mal feito, foi mal projetadoâ€, explica o professor.
Para resolver essa pendenga, fica quanto? “No mÃnimo, 40% mais caro esse viaduto em relação ao preço original deleâ€, diz o especialista.
O segundo viaduto também tem problemas. “Não resolveram esse ponto baixo, onde nós estamos. Aqui dá um metro de água diante das chuvas mais fortes. Não fizeram a drenagem para coletar toda essa água que acumula aquiâ€, ele avalia.
Éder Moraes faz retratação ao Ministério Público
Dias depois de ter dado o depoimento, Éder Moraes fez uma retratação ao Ministério Público, para que o primeiro depoimento seja desconsiderado pela investigação. Ele se diz inocente.
E veja o motivo que Éder apresenta para tentar voltar atrás: “Estava extremamente tomado pela emoção de não ter sido atendido em uma escolha para então ocupar uma vaga no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grossoâ€.
O Ministério Público não considera que o depoimento tenha sido anulado. E tanto o Ministério Público Federal quanto o estadual entraram com ação contra o ex-governador Silval Barbosa por conta do VLT.
Em nota, Silval afirma que nunca autorizou Éder Moraes a fazer qualquer transação com Júnior Mendonça. Sobre a acusação de desvio de dinheiro público, ele diz que esperar o teor das investigações e, se necessário, prestará esclarecimentos.
Sobre o VLT, Silval afirma que a obra teve acompanhamento integral de todos os órgãos de controle e fiscalização. Ele afirma também que o atraso se deve a fatores como desapropriações judiciais, ações do Ministério Público e a própria complexidade da obra.
Já os advogados do ex-presidente da assembleia José Riva dizem que as acusações de Júnior Mendonça não têm base em provas e que a documentação relativa aos perÃodos em que ele presidiu a casa vai afastar qualquer possÃvel suspeita de ato ilÃcito.
Acontece que neste sábado (21) José Riva foi preso pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, do Mato Grosso. Com o anúncio desta reportagem ao longo da semana, a Justiça entendeu que o ex-deputado poderia fugir.
Em nota, o deputado Mauro Savi nega qualquer acusação de desvio de recursos públicos e diz que a nota promissória que avalizou para José Riva é somente uma prática comercial lÃcita.
Enquanto a farra com dinheiro público é investigada, existe em Cuiabá, há 30 anos, um prédio que deveria ser um hospital para a população.
“Aquele que desvia um recurso que deveria ir para saúde, e não vai, a sociedade acaba não vendo a gravidade do seu ato. Quantas pessoas já não perderam a vida e deixaram de ser atendidas por força de carência de recursos?â€, destaca o promotor.
E afinal: cadê o dinheiro que tava aqui?