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O silêncio que acolhe

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Imagem reprodução web

                Aí você chega colocando os bofes para fora.

                As crianças, estão super gripadas, por isso nem adianta levar para a creche, eles não recebem as pequenas assim.

 Mesmo tendo combinado com uma babá na noite anterior, ela simplesmente não apareceu.

 Sua mãe e sogra, que sempre te ajudam quando as coisas apertam, resolveram viajar.

 Seu marido está recebendo os investidores japoneses na empresa.

 Não existe chance de atrasar um só minuto.

 Sua reunião com o cliente mais importante da agência é às 10h, são 8h30 e você não sabe quem poderá cuidar das gêmeas nesse lindo dia de sol.

 Depois de alguns telefonemas, sua tia se oferece para passar o dia com as pequenas.

 Em incríveis 20 minutos, ela está à porta de sua casa e, após 30 minutos daquele encontro magnífico, você chega ao escritório.

 Colocando os bofes para fora.

 Senta-se pesadamente e, enquanto tenta esconder, com base e pó, as olheiras que denunciam sua noite mal dormida, faz o relato acima para sua colega de sala.

 Antes mesmo de terminar de falar ela começa a contar do dia em que seus filhos adoeceram e a babá faltou.

 Conta a história com uma riqueza de detalhes completamente dispensáveis.

 A moça, dona de uma história muito mais trágica que a sua, parece não ter ouvido uma só palavra do seu lamento. Sua impressão é que, enquanto falava, ela simplesmente pensava na história que contaria mesmo antes de você terminar e nada mais.

 Não sei o que você pensa sobre o assunto, mas para mim não existe nada mais irritante do que isso: acabar de relatar algo e em vez de ter a empatia do seu interlocutor, simplesmente ouvir outra história com o mesmo tema, apenas mais trágica que a sua.

 Parece que aquilo que você acabou de contar não tem a menor importância.

 Escutar atentamente, simplesmente prestar atenção de verdade ao que o outro diz de maneira acolhedora e solícita é habilidade que poucos conseguem exercer.

 Talvez, seja por isso que pessoas que assim o fazem se tornam queridas e especiais tão naturalmente.

 Porque escutam em vez de simplesmente ouvir.             

 Vivi Antunes é cronista do cotidiano, mora em Brasília e ajunta suas letrinhas toda segunda, quarta e sexta no www.viviantunes.wordpress.com